Archive for junho 2021

Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei*


*Mediante termos e condições.

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Foi num mês de junho (de 2019) que eu escrevi pela primeira vez sobre o relato do meu Gênesis - sendo comicamente trágico que tenha sido justo em junho, esse mês de dias pesados que amar vira um ato desafiador. Esse junho de posts coloridos, de Senado e Câmara Federal refletindo holofotes em arco-íris, de propagandas de publicidade abraçando uma visibilidade que não existe em janeiro, outubro, dezembro. Foi num mês de junho de 2019, esse mês do orgulho - a quem quer que pertença esse orgulho -,  que eu escrevi sobre meu retorno à instituição cristã de I maiúsculo, que em junho de 2019 parecia me envolver no abraço da tão esperada compreensão. Mas abraços escondem faces, e faces denunciam intenções. Em junho de 2021, 2 anos depois, esse abraço me apertou, me sufocou - e a mesma mão que me abraçou, arrancou meu coração fora. 

E então eu morri. Não morri fisicamente, apesar de ter tentado. 

Para eles, morri em espírito. 

Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus.  (Gálatas 3:28)

Não é mais do meu interesse aparecer aqui pra escrever páginas e páginas sobre minha experiência, minha fé, e as formas que isso é covardemente utilizado pra me atingir, pra me fazer virar alguém que eu não sou. Não quero mais. Eu não tenho competência pra dizer quem Deus deveria ser, não tenho necessidade de tentar demonstrar quem Ele é pra mim - se é que sobrou algo a ser. Nem quero dizer sobre o quanto a Igreja mata até hoje, perpetuando o mesmo enredo à época de Jesus Cristo, que condenava aqueles que oprimiam em nome da Lei de Moisés. Cansei de tentar me expressar em tudo isso. 

E ainda assim, sou constantemente forçada a continuar. 

Nunca foi me dada uma escolha às consequências que atribuem a mim. Eu sequer pedi por um salvador? Eu pedi por uma vida em que tenho de me mutilar e me rasgar pra caber dentro de uma caixa que simplesmente não sou eu, só pra que isso me dê a vida eterna? Sangrando como eu sangro, você acha que eu tenho interesse de viver eternamente? Tu me fizestes como bem entendeu, e não me ofereces Sua misericórdia ao só me deixar morrer em paz? 

É difícil o suficiente ser informada e relembrada, constantemente, sobre a obrigatoriedade de louvar e adorar um Deus que, pra você, só é apresentado como alguém que não lhe recebe da maneira como estás. 

Um cartaz escrito "venha até mim TODOS", com as condições em letras minúsculas, uma série de restrições ao significado de todos. 

Um outro cartaz mais gentil, logo ao lado, escrito "venha a mim TODOS", sem as letras minúsculas de condições, que te chama a atenção por não estarem segurando, na mão contrária, tochas e espadas. E aquilo te faz bem, porque finalmente parece que algo está mudando, até ficar claro que tudo não passa de uma falsa sensação de "sou tão galera, amo sem ver a quem", só pra te moldar aos mesmos pré-requisitos porque "podem VIR todos, mas para ser continuar aqui como Certo, negue-se a si mesmo".

Que Deus é esse que vocês pregam? O Deus abraâmico, o justiceiro, uma entidade obcecada por glória, que teve de criar toda a humanidade só pra ser louvado. Ele se parece com o Javier Bardem? Você faz, faz, faz - se recorta tantas e tantas vezes pra tentar ser o que letras estáticas da Bíblia te dizem pra ser - mas nunca é o suficiente? Você vive uma vida robótica incapaz de responder questionamentos, lutando e matando por uma palavra que você sequer entendeu, tamanha sua falta de compreensão literária? 

Eu temo esse Deus. Não o temor divino, o temor de medo. Eu tenho medo do que vocês falam. Eu me recuso a seguir em algo por medo, por achar que se não feito exatamente assim, eu serei jogada em um lago de fogo.

Que me jogue em um lago de fogo. Estou certa que não arde tanto quanto meu coração arde em junho de 2021. 

Quanto a estes pequeninos que creem em mim, se alguém for culpado de um deles me abandonar, seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no lugar mais fundo do mar, com uma pedra grande amarrada no pescoço. (Mateus 18:6)

A esta altura eu não me importo se você diz saber que eu não entrarei no céu. Já tiraram tanto de mim, de quem eu sou, do que eu acredito, que honestamente nem sei se há um céu - e, caso exista, não sei se pertenço lá. Sei que não pertenço aqui com vocês em terra. Não consigo. Já tentei. Meu coração não é assim. 

Se o céu eterno é uma extensão da Igreja na terra, o que eu faria lá? Confraternizaria com meus irmãos que me perseguem, com os que me abandonaram, com os que me espancaram, que me expulsaram de ambientes que eram meus? Se você espera isso de mim, estás esperando na pessoa errada. Esse é Jesus, não eu. Não sou Jesus, o filho de Deus, pra ser perseguido e morto em prol da causa maior, em amor à humanidade. Sou só uma pessoa. 

E ainda assim me mata diariamente, de pouquinho em pouquinho, que os que se entendem como escolhidos são meus perseguidores, perseguidores dos que são iguais a mim. Me mata que meus similares tenham de se esconder junto comigo, temer pela própria vida, temer um leve e simples segurar de mãos com um igual. Não percebem a dor que propositalmente nos provocam - seus irmãos, seus iguais? 

Jesus teria a arrogância que sai da sua língua ao se colocar como superior a todos os outros pecadores imorais que são tão diferentes de você? Teria tamanha agressividade ao colocar o próprio filho na rua? Seu Jesus faria isso? Pare de tentar camuflar seu próprio coração apodrecido em fundamentos de um cristianismo que não te ensinou o que você perpetua. Pessoas tendenciosas te ensinaram isso. Jesus nunca ensinou intolerância - quem o matou, sim. 

e lhes disse: "Vocês sabem muito bem que é contra a nossa lei um judeu associar-se a um gentio ou mesmo visitá-lo. Mas Deus me mostrou que eu não deveria chamar impuro ou imundo a homem nenhum. (Atos 10:28)

Em junhos, eu não sangro só por mim. Sangro pelos meus iguais. Os perseguidos, os destituídos de receber amor da própria mãe, os incompreendidos, os que tiveram portas fechadas e sessões de exorcismo justificadas no amor alheio. Eu não dou mais duas fodas pra crente colhendo o que planta, a justiça não é minha a ser feita. Com o coração que eu lutei para manter, eu antes ainda conseguiria oferecer simpatia aos meus opressores. Hoje, depois de tanto e tudo, só consigo olhar com indiferença. Não é do meu perdão que você precisa.

Eu me posiciono com os meus. Com os que acordam diariamente colocando a cara à tapa, emocional e fisicamente, onde todo dia é uma batalha só pra manter-se vivo. Em junho, neste bem mais que nos outros, eu sinto o que vocês sentem, o que nós sentimos. Eu divido meu coração com vocês, e ofereço o meu afeto e consolo. Não é o divino - eu jamais conseguiria me assemelhar ao Divino -, não é o que é idolatrado pelas massas, mas é um verdadeiro afeto, um honesto consolo. 

Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. 

Mesmo que devessem saber. O nosso choro e nosso desespero deveria ser sinal suficiente. 

Às Igrejas e seus preletores, avisem que eu morri. Deixem acharem que eu morri. É melhor assim. 

Feliz junho, feliz mês do orgulho LGBTQI+, feliz, feliz, feliz... Sou feliz de amar como amo, sou feliz de ser amada de volta. Tenho orgulho da minha sobrevivência, da nossa resistência. Mesmo sem teto pra morar, sem afeto, sem fraternidade, sem compreensão, sem acolhimento, sem pele, sem vida. Mesmo que nos tirem tudo, mesmo que nos tirem a vida, como tiraram de tantos de nós justamente neste mês... mesmo assim, teremos vivido. De cabeça erguida, sempre. 

Ninguém mais deve ter o poder de nos dizer o que ser. 

Se o preço a ser pago por essa coragem às cegas, mesmo na fraqueza, for queimar no fogo... que assim seja. Estamos queimando no fogo dessas fogueiras mundanas há tempo o suficiente pra saber que se cairmos, caímos lutando. 

— Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Pois vocês fecham a porta do Reino do Céu para os outros, mas vocês mesmos não entram, nem deixam que entrem os que estão querendo entrar. Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Pois vocês atravessam os mares e viajam por todas as terras a fim de procurar converter uma pessoa para a sua religião. E, quando conseguem, tornam essa pessoa duas vezes mais merecedora do inferno do que vocês mesmos. (Mateus 23:13, 15)

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Esse texto é dedicado a todos que já foram oprimidos por discursos intolerantes e intolerantemente religiosos. Aos que sofreram e sofrem qualquer tipo de violência física, psicológica ou moral por serem quem são. Sinto por e com vocês. Obrigada por sentirem por mim de volta. Estamos juntos.

4 álbuns para ouvir e fingir que Daisy Jones & The Six é real

 

Esqueçam tweets virais e tiktoks sobre geração y e millennials, nós encontramos o Messias dessa divisão. Não importa se você nasceu em 1989 e parte o cabelo de lado, se nasceu em 1998 e não se encaixa em lugar nenhum, ou se nasceu em 2001 e não usa calça jeans - essas diferenças geracionais não importam mais, agora que achamos nosso elo em comum: o TJRU.

Taylor Jenkins Reid Universe. 

Quando li Daisy Jones & The Six pela primeira vez, o mundo não era um cenário apocalíptico ainda. Era a última semana de dezembro de 2019, num sítio isolado onde o único sinal com o mundo externo era por um telefone na parede da sala, minha única preocupação era deixar a massa de cuscuz no ponto certo pra comer no café da manhã na varanda, só pra logo depois colher mangas no parquinho, passar protetor solar, e ficar pra sempre na espreguiçadeira na beira da piscina, com toda uma floresta atrás de mim. 

Nessa época eu também estava apaixonada por alguém que eu achava não poder ter. Saí para o meu retiro espiritual certa de que aquilo seria bom, que eu não só precisava como merecia passar dias sem contato externo, sem ansiar a próxima mensagem que o objeto do meu amor não correspondido poderia me mandar. Toda manhã eu fazia meu cuscuz, colhia minhas mangas, colocava um biquini e saía pra piscina, procurando uma sombra em que eu pudesse sentar com o livro de minha escolha, e finalmente, depois de muito tempo, relaxar. 

Exceto que o livro que eu levei foi Daisy Jones & The Six. E a piscina era ótima, a floresta com trilha atrás de mim era ótima, a completa falta de barulho humano dando lugar ao barulho da natureza era ótimo - mas, ainda assim, eu era uma menina com um amor não correspondido que estava lendo Daisy Jones & The Six. 

Seguro dizer que ali, mesmo na beira da piscina usando um chapéu azul, eu estava em completo estresse por ser uma Daisy Jones perdidamente apaixonada por um Billy Dunne. 

Mas isso é história pra outro tipo de texto.

(sim, nós namoramos hoje).

Depois de alguns livros completamente normais, nada muito diferente do conteúdo de qualquer outro livro young adult de livraria de shopping, Taylor Jenkins Reid descobriu, numa revelação que só pode ter sido Divina, que seu nicho era um bem específico: escrever histórias sobre pessoas famosas que não existem. Tenho essa teoria de que os livros da Taylor que tratam sobre fama fizeram tão mais sucesso que seus romances básicos anteriores porque esses famosos parecem mais reais do que os anônimos dos livros de sessão da tarde. 

É improvável que você termine Evelyn Hugo sem pensar quem seria a Evelyn Hugo da vida real. É improvável que você termine Daisy Jones & The Six sem pesquisar se essa é uma banda que existiu de verdade. "Eu acabei de ler um memoir de uma banda real que eu nunca ouvi falar?"

Todo mundo quer saber quem é, quem foi, ou quem teria sido Evelyn Hugo, Daisy Jones, Mick e Nina Riva. Absolutamente ninguém vai ligar se Emma Blair é uma pessoa que existiu ou não, em quem ela é inspirada, quem ela poderia ser. Quem diabos é Emma Blair?*

Pra mim, essa é a magia do universo da Taylor Jenkins Reid, onde a menção de novas personalidades públicas em cada livro pode virar um nova história, um novo enredo, uma nova fama. E se você lê esse blog, é certo que você gosta de fofoca de Hollywood. Então não interessa se de cabelo de lado ou no meio, todo mundo tem Taylor Jenkins ao seu favor. 

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Minha paixão por bandas de rock vai beeeem mais atrás, em tardes na casa do meu pai, grandes caixas de som e pendrives no som do carro. Meu pai se denominava uma "enciclopédia do rock", nas palavras dele, e tudo do mais clássico ao mais underground eu ouvia. Tinha de ouvir. "Rock não foi feito pra se escutar em volume baixo", meu pai também dizia. 

Que Deus o tenha.

Ele não morreu, ele só parou de falar comigo.

Eu e meu pai sempre tivemos uma realidade e vivência conturbada - ele conseguia ser a parte mais normal e mais tóxica da minha vida, ao mesmo tempo. Ao sair dela, meu pai não me deixou muitas coisas. Mas uma herança cultural ele deixou. Não tenho pra quem ligar quando brigo com minha mãe ou quando furo o pneu do carro, mas ainda tenho histórias sobre discos do Raul Seixas, rankings dos melhores bateristas de rock da década rereretrasada, intrigas de colegas de banda e uma curadoria das melhores lojas da Galeria do Rock pra achar camisetas de heavy metal - inútil pra muitos, mas da qual me orgulho muito.

Ler Daisy Jones & The Six na beira da piscina, além de me trazer de volta os sentimentos que eu estava tentando evitar, também era como ter meu pai nos finais de tarde, me levando pra tomar sorvete na farmácia da esquina, só porque ele podia, só porque tínhamos a chance. Era retornar ao banco do passageiro e falar pra ele, orgulhosa, que eu tinha achado uma banda de rock boa o suficiente pra ter criado coragem de mencionar pra ele em primeiro lugar - justo ele, que passou 40 anos da vida fazendo uma curadoria das melhores. Se ele curtisse, se ele pedisse pra ouvir de novo ou perguntasse quem era - se ele se interessasse de alguma forma, eu teria ganhado meu dia. 

Esses são os álbuns que eu mostraria pro meu pai no carro, no caminho da escola pra casa, torcendo pra que ele gostasse tanto quanto eu. Se Daisy Jones & The Six fosse uma banda que de fato existisse, nós tocaríamos no carro assim:

01. Teatro d'ira: Vol. I - Måneskin


Sabe quando você esbarra em uma nova manifestação de arte, que antes você não conhecia, e pensa "isso foi feito pra mim"? Måneskin foi feito pra mim. É mágico ter match artístico, que te faz ser grato por estar vivo e ter a oportunidade de conhecer algo que fala à sua alma - algo que não acontece com muita frequência no capitalismo, onde ninguém fica feliz por estar vivo. Mas tem aqueles momentos, raros momentos, que você esbarra no trabalho artístico de alguém que preenche todos seus requisitos: Uma baixista gostosa? Tem. Um vocalista que poderia ter sua foto estampada na bandeira bissexual? Tem. Rock com muitos solos de guitarra? Tem. Músicas em italiano, pra facilitar que você finalmente aprenda a língua que mais admira? Tem também. 

É uma banda de rock italiana com um monte de gente gostosa, o que mais vocês querem de mim?

Teatro d'ira: Vol. I é o segundo álbum de estúdio da banda, e o mais recente. Totalizando apenas oito músicas, esse álbum foi escrito em sua totalidade pelos quatro integrantes, da primeira até a última nota, sem interrupção de compositores e letristas externos. É um trabalho que é pra ser deles, feito apenas por eles, contando sobre eles. E funciona. Meu Deus (Dios mio), como funciona. 

Se Måneskin fosse Daisy Jones & The Six, na verdade eles seriam só os The Six. Måneskin é definitivamente o que os irmãos Dunne achavam que eram quando começaram, quando só queria expressar a frustração de ser jovem na década do rock, e a eterna condenação de não se encaixar. Esse seria um álbum feito pelos The Six sem a presença de uma Daisy, sem a presença dos dramas e brigas e greves de gravação por não se suportarem. Quando tudo era arte e fraternidade, The Six teria feito esse álbum. 

Billy e Graham Dunne, ao se reconhecerem como futuros artistas, ao desejar a fama e a oportunidade de fazer música de garagem em garagem, provavelmente tinham o ar insolente e autoconfiante que Zitti E Buoni traz, com não só o sentimento de ser melhor que as mentes pequenas ao redor, mas o conhecimento de que isso é verdade. Coraline, que poderia muito bem chamar-se Camila, é uma música sobre essa personagem que sente tudo mais do que todo mundo, que é bondosa ao ponto de colocar suas necessidades atrás das que qualquer outra pessoa ("Coraline chora, Coraline tem ansiedade, Coraline quer o mar mas tem medo da água, e talvez o mar esteja dentro dela"). Essa música é um poema de amor de 5 minutos para Coraline, nossa Camila Dunne. É sobre reconhecer a pureza do seu amor, reconhecer que não é merecedor de tanta gentileza, mas oferecer o pouco que tens para dar ("Em troca não peço nada, só um sorriso, dada pequena lágrima sua é um oceano sobre meu rosto"). Coraline é definitivamente uma música que Billy Dunne, pré-fama, escreveria sobre Camila, o lugar onde ele achou o amor pela primeira vez.

Vent'anni, uma balada que vai crescendo conforme o desejo do narrador de se libertar das algemas dos vinte anos, demostra o maior medo de qualquer artista do rock: morrer e ser esquecido sem deixar nada significativo em terra. É uma homenagem ao quão deprimente os 20 anos podem ser, com a mistura de sentimentos diferentes vindo de todos os lados. É o sentimento pré-fama de qualquer artista que promete se manter verdadeiro ao lugar de onde veio, mas que mal pode esperar pra tudo mudar, e logo as lanchonetes de estrada dão lugar aos restaurantes que servem cocaína na bandeja. 

Teatro d'ira se traduz livremente para Teatro da Ira. Não acho que os The Six tinham essa ira enraizada ao se unirem - mas sei que cada um tinha a sua, individualmente. É a sina de qualquer juventude, de qualquer geração. Não é a ira dos affairs entre integrantes de banda, ou do Eddie querendo socar a cara do Billy no chão. Essa é a ira de qualquer jovem no século da depressão, onde sua raiva é só por estar vivo, por ser obrigado ao ser uma existência pensante. 

(Eu mencionei que todos os integrantes dessa banda são Geração Z? Isso é uma epidemia).

Para ouvir também: Lividi Sui Gomiti, I Wanna Be Your Slave, La Paura Del Buio

02. The Civil Wars - The Civil Wars


Quem é Daisy Jones e Billy Dunne na vida real? São eles. 

Os motivos pra isso dão conteúdo pra uma dissertação sozinha, e é tanta coisa e tantos detalhes que eu tive que ir atrás de fontes diretas** que soubessem me contar a história melhor do que qualquer pesquisa superficial no Google.

O que eu entendi lendo por cima e recebendo fofocas desses dois, é que ninguém sabe exatamente o que deu errado. O que te leva a abruptamente romper projeto e qualquer tipo de relacionamento com seu parceiro musical? O que acontecia nos bastidores, nos ensaios das harmonias de vozes de ambos, que casavam tão bem? Qual era de fato a inspiração nas composições que ambos compartilhavam? Como eram tão musicalmente íntimos e despidos, tão parte do próprio mundo, sendo casados com outras pessoas? 

Se Daisy Jones & The Six tivesse tido tempo o suficiente para ter mais de um álbum, algum dos não lançados seria qualquer um dos álbuns de The Civil Wars. Pedi que algumas amigas mestres no assunto me indicassem um, um que representasse um álbum não lançado de DJ&TS, perdido em fitas demos. A resposta foi a mesma: The Civil Wars, homônimo da banda. 

Conta a história que o álbum terminou de ser gravado em meados de 2013, e a esta altura a dupla já nem conseguia se olhar diretamente, como mostram filmagens tremidas de shows na época. Já tinham todas as bandeiras vermelhas levantadas: falta de contato visual, esquecimento proposital de agradecimentos em palco, a escolha por ignorar que ambos trabalhavam juntos. Antes mesmo desse álbum ver a luz do mundo, Joy e John Paul tiveram uma turnê interrompida, devido a "brigas internas e diferenças irreconciliáveis". Lembra alguém? 

Mesmo depois de largar uma turnê pela metade, o duo voltou com o álbum The Civil Wars, em um compilado de músicas que em sua grande maioria falam de devoção humana em contradição à devoção divina, relacionamentos fadados ao fracasso, traição e pessoas que vão embora levando consigo seus sentimentos. É de se pensar...

Meu primeiro contato com The Civil Wars, o duo, foi quando descobri a música Poison & Wine, tantos anos atrás, do primeiro álbum deles, o Barton Hollow. Essa música sempre foi minha música referência ao imaginar como soaria Honeycomb, o primeiro e famoso dueto de Daisy e Billy no livro. Se Honeycomb fosse uma música real - e vai ser, em breve, mas se fosse uma música que já existe -, seria Poison & Wine. O álbum The Civil Wars seria algo posterior, algo pelo final, algo que representa o conhecimento de sentimentos de ambas as partes, um sentimento que nem deveria existir, e que envolve mais de duas pessoas. 

A música que abre o álbum The One That Got Away, significativo logo no título, e o primeiro verso cantada é "I never meant to get us in this deep / I never meant for this to mean a thing". Se eu tivesse uma dupla em que canto músicas de amor com meu companheiro platônico, eu simplesmente escolheria não abrir um álbum com essas palavras, não depois de largar uma turnê por tensão mútua. É curioso que durante toda a extensão do álbum seja possível achar pistas de infidelidade, e cabe a você decidir se isso vem do eu-lírico ou do próprio compositor da música. Em Eavesdrop eles me entregaram minha letra favorita do álbum inteiro quando cantaram "let’s let the stars watch, let them stare / let the wind eavesdrop, I don’t care", o que te faz questionar o que exatamente os narradores tem de esconder.

The Civil Wars (o duo) por si só é uma experiência completamente Daisy Jones & The Six das ideias - mesmo que as músicas não se relacionassem à história, mesmo que as teorias não fossem semelhantes. Assim assim ficaria a pergunta: o que diabos aconteceu?

É a síndrome da Aurora de novo e de novo e de novo. 

Para ouvir também: I Had Me a Girl, Same Old Same Old, Oh Henry

03. Plastic Hearts - Miley Cyrus

Se Måneskin é os The Six sem a Daisy Jones, Miley Cyrus em Plastic Hearts seria a Daisy Jones sem os The Six. 

Se Demi Lovato teve suas 24 personalidades destrinchadas nos últimos dois posts, Miley Cyrus possivelmente teve o dobro. Mas sabe aquela sua persona que, por mais que seja falsa, é a mais legal de todas? A da Miley é essa. 

Tem uma certa nostalgia nessa nova onda do ressurgimento de mais músicas rock e punk voltando à indústria, seja lembrando-se do gosto musical dos senhores nossos pais ou só mesmo recordando de icônicas trilhas sonoras de filmes adolescentes dos anos 2000. Não importa quem somos hoje, todos nós já compartilhamos um sonho: fazer parte de uma banda de garagem, uma tão boa quanto a banda da Lindsay Lohan em Sexta-Feira Muito Louca. Tem algo que grita em celebração à nossa primeira juventude, à nossa rebeldia de adolescência, quando ninguém nos compreendia e tudo estava começando a mudar, mas solos de guitarra ainda podiam nos abraçar. 

Pra todos que tiveram seus lápis de olho e franjas lambidas pro lado, esse é um álbum pra você. 

Daisy Jones não precisava ser adolescente pra ser a maior das rebeldes, a menos incompreendida da turma. Acredito muito que Plastic Hearts poderia ser uma obra dela, só dela, em que ela usaria suas composições autorais pra propagar que prefere sua liberdade à prisão de uma banda (um amor) que nem sequer queria sua presença (I was born to run, I don't belong to anyone, I don't need to be loved by you em Midnight Sky), pra falar mal do Billy Dunne nas entrelinhas e ao mesmo tempo confessar seu amor na faixa seguinte. Sozinha, Daisy teria sido uma honestidade bruta e agressiva, assim como Miley foi nesse disco - mas sem nunca perder sua vulnerabilidade, que, mesmo escondida por trás de várias camadas de desilusão, ainda continua lá, intocável (High e Never Be Me, que falam sobre nada ser o suficiente, e sobre você mesma não ser suficiente pra ninguém).

WTF Do I Know, a faixa que abre o álbum, seria perfeita pra uma Daisy recém afastada dos The Six, sem remorsos, sem explicações pra dar, continuamente sustentando o discurso de que ela não precisa deles - não pode ser de fato o que ela acredita, mas sim pra irritar os que ficaram. A vingança favorita de um incompreendido é aparentar ter saído superior àqueles que não te levantaram, e eu acredito que um rompimento da Daisy (sem a carga emocional de seu envolvimento com Billy), poderia ter se dado assim. Mas como a história é outra, como temos nosso romance proibido de bastidores entre integrantes da mesma banda, a que melhor cabe na nossa narrativa mesmo é Angels Like You. 

Angels Like You é uma daquelas músicas que se encaixa com muitas coisas, diferentes coisas. Mas é definitivamente uma música que Daisy Jones escreveria sozinha, gravaria sozinha, só pra ter o Billy a acompanhando na guitarra no final. Mesmo que ele soubesse que grande parte do que está sendo cantado em sua frente é sobre ele mesmo. 

É um álbum sobre exaltar a si mesmo, sobre pontuar o quão superior e mais legal que todo mundo você pode ser - só pra depois quebrar essa expectativa confessando que você nunca vai ser a certa pra alguém, por estar constantemente se destruindo, por não querer mudar por ninguém. Nada mais rock 'n' roll do que pontuar seus defeitos e agarrar-se a eles, por não saber quem é de verdade debaixo de toda a persona rebelde que construiu depois de muitos traumas. Nada mais rock 'n' roll do que celebrar a liberdade com uma discografia quase que inteira compartilhando que sente-se preso em si mesmo. 

Daisy Jones é complexa o suficiente pra entender exatamente o que isso quer dizer.

Para ouvir também: Gimme What I Want, Hate Me, Golden G String

 04. Rumours - Fleetwood Mac


Vocês sabiam que esse tava vindo. 

Esse álbum é uma montanha-russa emocional de fofocas e intrigas - e o melhor é que não eram fofocas e intrigas externas. Era entre eles. Eles falando sobre eles, eles brigando via música, eles se obrigando a cantar e performar tais músicas. Que outro álbum te dá a oportunidade de experimentar uma música sobre amar seu atual namorado (You Make Loving Fun), o diretor de iluminação da banda, e ter seu ex marido não apenas sabendo disso, mas também tocando baixo na mesma banda? É bom demais.

Christine McVie e John McVie não eram os únicos que estavam separados e escrevendo sobre no mesmo ambiente de trabalho. Um só casal em conflito não era o suficiente. Entra Stevie Nicks e Lindsey Buckingham, sempre correndo juntos no precipício do amor e ódio, sempre em discordâncias, mas bons demais no que faziam pra saber que, pelo menos musicalmente, se completavam. Até contando a mesma história duas vezes, cada um em seu ponto de vista, nos ofereceu músicas individualmente muito boas: sobre a separação, Stevie fez Dreams, que já começa com a memorável abertura "Here you go again, you say you want your freedom / It's only right that you should play the way you feel it / But listen carefully to the sound of your loneliness", endereçado à Lindsey; Lindsey, por sua vez, a responde em Go Your Own Way com "how can I ever change things that I feel? / You can go your own way / You can call it another lonely day". 

Foi só em The Chain que todos os integrantes da banda colaboraram juntos, a única do disco em que eles cederam a fazer isso. A responsável por isso é a própria música: é sobre eles. É sobre eles já se odiarem em níveis inimagináveis, mas sobre não querer romper o vínculo, essa corrente que os unia segurando a única coisa que ainda tinham em comum: seu amor pela música que faziam. Tá tudo na própria música. Eles estavam ali, apesar do ambiente, por causa dessa corrente invisível que ainda os unia. If you don't love me now... definitivamente nunca mais amará.  

Os bastidores do processo da gravação do Rumours era caótico, problemático, doloroso e agressivo - eles não se suportavam mais, e ainda assim tinham de produzir dentro de um cubículo por dias e dias. Os sentimentos rompidos e a pressão de fazer-se vulnerável justamente na frente de quem te machucou foi algo que futuramente a Christine McVie caracterizaria como um "processo traumático". Stevie Nicks chegou a falar, também, que aquilo que eles estavam vivendo, naquele ambiente, não era normal: muita cocaína, muito dinheiro, e muita, muita angústia. Não precisa ser um grande entendedor de rock pra saber que essa é a fórmula mais antiga e mais bem sucedida de sucesso musical dos anos 70. Eles estavam no pior momento entre si, e é claro que isso resultou em um dos álbuns mais icônicos da história musical. 

Obviamente, o Rumours é nosso Aurora. 

Me limito a dizer só isso, sem apontar quem seria quem, que música seria o que. Se tem um resultado musical capaz de separar uma banda, esse seria o Rumours, como foi com o Aurora pra Daisy Jones & The Six. 

A essa altura eles já devem ter aprendido que quanto mais controverso e problemático, mais obcecados ficaremos. 

Isso é rock 'n' roll, baby. 

Para ouvir também: Never Going Back Again, Don't Stop, Songbird

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* Emma Blair é uma personagem da Taylor Jenkins Reid, do livro "Amor(es) Verdadeiro(s)", não tão memorável quanto suas irmãs;

** Mari e Babi, obrigada por contribuírem com seus conhecimentos de The Civil Wars!

Ninguém quer ouvir a sua voz (e outras reflexões)


Durante algum momento da mudança de comportamento social juvenil, a consolidação do entendimento da geração Millennials como um estilo de vida e o fim de Gossip Girl, uma verdade foi compreendida e propagada pela humanidade: você tem uma voz, e deveria usá-la. Musicais inteiros foram escritos, séries de tv foram planejadas, contas de Instagram comparecem em todos os extremos, Youtube virou uma carreira consolidada, e opinar - na Internet ou na vida real - nunca foi tão, tão fácil. "É a minha voz!", você deve ter pensado alguma vez, "e eu tenho algo a falar". 

O script de A Star is Born (roteiro de Bradley Cooper & co), disponível online, é surpreendentemente um compilado perfeito de metáforas e reflexões sobre usar sua própria voz. Em minha rápida e leiga análise, conscientemente ou não, o filme inteiro acaba sendo sobre a incessante busca de falar e ser ouvido. Em uma das minhas falas favoritas, por exemplo, Jack diz a Ally que talento tem em toda esquina, que provavelmente todo mundo que você conhece é talentoso em alguma coisa - mas que ter algo a dizer e ter pessoas te ouvindo era algo bem diferente. Posteriormente, ao ser abordada por um produtor musical, Ally também o escuta dizer que "há pessoas que precisam ouvir o que você tem a dizer musicalmente" - que é um orgasmo pra qualquer artista.

Não somente, quando Ally tem seu debut no mundo pop - agora escondendo-se atrás de uma persona robotizada pela indústria que já engoliu sua voz original -, Jack volta ao centro de todos os seus discursos durante o filme ao dizer que "tudo o que você tem é você mesma, e eles te escutam agora, mas não vão escutar pra sempre".  

"Então diga o que você tem a dizer... porque a forma como você diz é coisa de anjo". 

Romance. <3

Cresci e me criei romantizando a ideia de entregar pro mundo o que eu sentia e acreditava - porque era importante que eu fosse ouvida. Na vida adulta, reforçar essa ideia era inevitável, uma vez que fui uma criança silenciosa, amedrontada com a simples menção de ser obrigada a falar meu nome em público. Quando crescendo, as pessoas nunca me ouviram - mas eu tinha algo a falar. E ao adentrar na juventude eu só... descubro que posso? Com mídias e músicas e solos do Ben Platt não somente me validando como me incentivando a falar tudo que eu quisesse? A distribuir todos os meus pensamentos? Parecia mágico.

Mas todo mundo tem algo a falar. Todo mundo. Aprendi isso depois de anos me sentindo especial, achando que só eu tinha monólogos internos bons o suficiente pra entregar ao mundo, que só o meu ponto de vista era iluminado. Só foi depois de muitos embates via stories do Instagram sobre política e amizades vítimas de opinião disfarçada de "eu sei mais do que você" que eu percebi que - É. 

Ninguém quer, na verdade, ouvir a sua voz. 

Depois de anos e anos me criando na Internet, concluí que o que todo mundo quer, na verdade, é um amaciante de ego. Sabe lavar a roupa e ficar com cheirinho de lavanda? Esse tipo de amaciante. Se a sua voz está de acordo com o que eu acredito, com uma opinião minha que já está formada, então eu escuto, pois vale à pena. De todos os textos que já escrevi, de todas as colocações que já fiz, nas diversas vezes que me responderam em agradecimento às minhas palavras... não era exatamente um agradecimento pela minha voz. Era um agradecimento por minha voz ser exatamente o que você queria ler. Ou o que você estava pensando e não soube como dizer. "Minha voz", essa voz que me coloca gritando por tantos lugares, não estaria sendo apreciada e louvada se não fosse só... um compilado de opiniões que já eram suas.

Dias atrás fiz um formulário com questionamentos sobre política, com perguntas básicas sobre entendimentos pessoais sobre interpretação de direita e esquerda, o que entendiam por fascismo e comunismo, se o PT tinha sido um partido de extrema esquerda. Vocês sabem, esse tipo de coisa que a gente já sabe a resposta. O intuito era analisar os resultados e escrever sobre como o falatório político (aqui, claro, tendenciosamente me referindo à extrema direita) usa de termos e ideias que o orador sequer sabe o que significa. Eu não pude, no entanto, publicar essa enquete no Twitter. Porque a resposta seria a mesma. Uma pesquisa em que 100% do resultado são pessoas entre 16-29 anos com tendências pendendo pro lado esquerdo e concordando que o governo atual flerta com o fascismo - o que é verdade, é um fato, mas concordância total de dados? Numa pesquisa? Não seria uma pesquisa, seria uma conversa de bar com meu círculo de amigos.

Será que a gente viveu o suficiente na Internet não pra virar herói, mas pra virar... exatamente o que Eles dizem que nós somos? Eles - uma corporação de homens dos anos 80, mãe e tias fofoqueiras -, que nos repreenderam nos almoços em família com "lá vem a doutrinada", que prometeram que todo e qualquer discurso jovem fundamentado em posts de Internet era "genérico"... Vivemos por aqui o suficiente pra dar razão à Eles?

Nossa série favorita do momento, The Bold Type, é tão explicitamente criada e pautada em dar voz a todas as questões sociais e midiáticas possíveis de caber num espaço de tempo de 40 minutos que, por vezes, dei uma encolhida quando me serviram o tabu bem quebrado. Me pergunto quando nós passamos dos adolescentes com a necessidade de gritar sobre feminismo e suas subdivisões pro nosso desconforto físico ao esbarrar com algo que é woke demais para 2021. A problematização da problematização, não é assim? 

Internet, a gente entrou num paradoxo. 

Nosso buraco de minhoca nos levou de um extremo a outro. O que antes era um distanciamento necessário e orgulhosamente bem feito dos preceitos e entendimentos dos nossos pais, hoje é só... exatamente o mesmo, só que no mundo invertido.

Descobri então que a filosofia tem um rolê pra explicar isso - porque é claro que tem, filósofos sendo filósofos. Aconteceu de Hegel um dia espalhar por aí algo conhecido como "Teoria da Dialética", dialética essa que era a raiz pela qual nós tínhamos a capacidade de produzir conhecimento. Aconteceria assim: primeiro você tem uma tese (uma idéia, um pensamento). Depois, você desenvolve uma antítese, que é um pensamento contrário à sua tese original. No fim, acontece a síntese: pegue um pouco dos dois mundos, filtra a tese, filtra a antítese, forme sua própria opinião e seja feliz. 

A gente ainda filtra, será? 

Sei que tem um compartimento obscuro da comunidade online que ficou preso na antítese sem chegar em conclusão alguma. Sei também de muita gente da vida real que sequer passou da tese. 

Deve ter outro raciocínio filosófico de algum alemão por aí que diga exatamente isso, muito embora eu fique devendo essa pesquisa, mas não é o estancamento da humanidade quando a gente só para de formar novas sínteses? Um processo de análise que é feito só uma vez e nunca mais revisto ou reavaliado só sugere que nossa tendência é emperrar no espaço tempo da humanidade, que nunca para de andar e andar e andar e oferecer novas ideias e novas conclusões e novos entendimentos e novos desenvolvimentos, pra sempre e sempre e sempre - como deve ser qualquer linha temporal.

Foi um susto perceber que a minha voz, essa que eu tanto me orgulhava ao dizer que tinha, era só um amontoado de outras vozes, que eu li por ali, ouvi daqui, acreditei como sendo certo e fatídico por vir de pessoas que corroboravam para um pensamento que estava em mim, mas que também veio de outros lugares, e assim vai. A essa altura, eu nem faço ideia do que o lado oposto ao lado das minhas ideias prega por aí - porque eu nunca vejo. Esse conteúdo não chega até mim.

Já que estamos aqui discutindo sobre Internet e afins, um fato engraçado é que esses posts não chegam até mim ou até você porque, num trabalho minucioso de sistema e controle humano, esses algoritmos não foram selecionados pra você. Vocês nunca se perguntaram COMO as pessoas ao seu redor não viam as mesmas notícias e as mesmas críticas ao Bolsonaro que você via? Literalmente por isso: porque elas não veem. Não é um conteúdo que chega até alguém que tem o algoritmo milimetricamente calculado pra mostrar foto de arma e vídeo de pastor pregando. Percebe? A gente empacou na rede das teses.

E, de novo, o negócio da voz: como eu posso esperar que meus gritos de indignação contra o governo sejam compreendidos por seguidores alienados, se são seguidores! alienados!? O que eu espero que aconteça ao publicar um story atrevido escrevendo meus sentimentos sobre a administração da prefeitura? Que eleitores do prefeito cheguem até mim e respondam "é verdade mesmo, o que você disse faz sentido, mudei de opinião"? Quando que isso aconteceu, tipo, na história? O que vai acontecer quando eu publicar um texto chamando eleitores do Bolsonaro de burros genocidas? Essa minha voz que sente tremores de raiva e vontade de cuspir fogo pelos dedos ao escrever sobre política, vai chegar até quem? 

Vai chegar só até aqueles que pensam igual a mim. 

E sendo assim, a gente tá conversando, de fato? Na nossa pesquisa social, com nossos resultados 100% em igualdade, a conclusão é qual?

Mesmo assim, acho ótimo jovens com didática o suficiente pra destrinchar pautas sociais num auditório. Acho genial produtores de conteúdo, escritores, [insira aqui qualquer cargo na internet] que tiram do seu tempo pra compartilhar seus entendimentos (suas sínteses!), a fim de que novas pessoas formem suas próprias sínteses. Mas fico me perguntando se sou uma delas. Do que adianta gritar, gritar, e gritar - se meu auditório está vazio? 

E um conflito desses não tem como solucionar - não cabe a mim, não está em meu poder. Não posso cobrar que todo mundo entenda e exerça minhas sínteses se nem todo mundo passou por minhas teses e antíteses. Sabe? É aquilo de sempre: não dá pra esperar que todo mundo esteja pronto pra algo que só você está pronto. E é ótimo sentir que, sim, existem pessoas prontas junto comigo, e no nosso vórtex temporal estamos todos no mesmo tempo e timbre - mas a gente sempre quer um coral inteiro, né?

Se nada do que eu falei faz sentido, a culpa é do Hegel. 

E ainda assim cá estou eu, escrevendo tudo isso num blog pra vocês lerem. 

Desconsiderem tudo que eu falei, então.

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Para Vogue, Selena Gomez dia desses que declarou que cantar ao vivo é difícil, mas que ela absolutamente vai aceitar qualquer oportunidade que a coloque em cima de um palco se isso resulta na propagação do que ela tem a falar. "Não me importo em como minha voz vai soar, só em passar minha mensagem", em tradução livre. Tal declaração me soou curiosa por diversas motivos, de "se você é cantora e seu trabalho está sendo cantar, COMO você não liga para como sua voz irá soar? É tão fácil pra alguns..." até "uau, jovens são intensos, mas jovens artistas...". 

Esse texto não tem uma conclusão. Mas eu vou mesmo pegar uma observação sobre extensão vocal e aplicar como uma reflexão pessoal e interna?

Você sabe que sim. 

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(A Star Is Born, 2018)


As 24 personalidades de Demi Lovato, parte II


PARTE UM

Assim como seu segundo álbum, here we go again. 

Então foi isso que você perdeu em Glee: 

Demi Lovato começou na máquina Disney Channel aos 15 anos, moldada pra ser exatamente o produto que uma continuação dos Jonas Brothers deveria ser. Vulnerável e com demônios próprios, Demi cansa de ser a sombra de seus colegas e rompe com sua versão boa garota do pop rock - mas termina na reabilitação após seus problemas virem a público depois de socar uma garota na cara. :o Demi volta pra indústria na sua versão mais plastificada até então, com todos os antigos hábitos ruins ainda por perto, mas escondidos. Com sua nova grande notoriedade na mídia, Demi passa a trabalhar seu lado profissional: jurada do The X Factor com Britney Spears, músicas pop nas mais tocadas das rádios, voltando a trabalhar pra Disney ao gravar Let It Go de Frozen e até fazendo uma ponta em Glee como Dani, namorada de Santana e guitarrista da banda de Kurt. Demi descobre, depois de tanto mudar sua estética pessoal, que não somente se cansa rápido de estabilidade - mas também tem a capacidade de cansar de mudanças. 

E foi isso que você perdeu em Glee!

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Onde estávamos? Ah, sim.

Desbloqueando mais uma fase, Demi entendeu que podia se cansar de qualquer coisa, inclusive das suas mudanças. Foi assim que ela deu início à sua fase mais constante e equilibrada:

Fase Seis: Gênesis e a Verdadeira Estabilidade
Causas: Wilmer Valderrama, sobriedade, reconciliação com os Jonas


Eu não falei pra vocês das falsas sensações de estabilidade? 

Essa não é uma delas. 

Quando você é obrigado a pensar em Demi (pré-2020), em qual Demi você pensa? É muito possível que seja nessa. Em algum lugar do seu cérebro encontra-se uma imagem de uma Demi de cabelo preto curtinho, provavelmente cantando Cool For The Summer (quantas vezes uma pessoa pode sair do armário?) ou Stone Cold. O álbum Confident foi até indicado ao Grammy de 2017, algo que ninguém tava esperando. 

Não tem nada de peculiar nessa personalidade, exceto o que eu vou te dizer agora: 

Essa foi a Demi mais autêntica de todas. 

Obviamente isto é uma opinião, eu não conheço nenhuma dessas Demis intimamente, muito embora tenha acompanhado todas bem de perto. Mas essa aqui... tem algo diferente nessa. Era confortável acompanhar essa, porque ela própria parecia estar confortável na própria pele. Muito embora tivesse sido uma advogada de auto aceitação desde que meteu o pé pra fora da rehab, Demi nunca pareceu verdadeira o suficiente sobre gostar de si mesma... até esta versão. Parecia um amadurecimento natural (agora sim) de todas suas inconstâncias: sua música, muito embora ainda pop de rádio, soava mais madura; sua equipe, agora mais rígida e após dar-lhe um ultimato, a mantinha sob vigilância quanto aos problemas com drogas e transtorno alimentar; sua imagem tava boa, sua atmosfera tava boa. Essa era uma Demi que celebrava aniversários de sobriedade, uma Demi que tinha orgulho de sua história mas não se limitava a ela. 

Uma Demi que até reatou com os irmãos Nick e Joe - saiu em turnê com Nick Jonas, abriram uma gravadora juntos, e ainda recebia Joe Jonas no palco pra cantarem This Is Me. E não somente! A amizade com Selena Gomez (sua amiga desde a infância) até deu um rápido retorno do mundo dos mortos

Uma Demi que parecia de verdade - um "de volta aos clássicos", o seu gênesis pessoal.

E talvez fosse, sim. Demi parecia feliz e satisfeita com seu retorno ao que conhecia, seu relacionamento (agora público e sempre exaltado por ela) com Wilmer, em ser uma defensora de tratamentos psicológicos e de fato estar trabalhando nos seus. Aqui eu abro um parênteses pro trabalho incontestável de Demi em apoiar, financiar e propagar causas e programas de ajuda e acompanhamento psicológico. Essa era uma Demi que levava profissionais pra discursar sobre transtorno alimentar pros fãs que iam aos shows, uma Demi que andava 24/7 com um "sober coach", um especialista em sobriedade responsável por ser seu braço direito para que ela não tivesse recaídas. Era visível o trabalho que ela estava disposta, à época, a realizar por si mesma - e não só isso, por várias outras pessoas ao redor que também necessitavam. 

Acompanhar Demi de perto te faz concluir uma coisa muito rapidamente: elu é péssime sozinhe. De, tipo, não funcionar mesmo. Nessa época, seu porto seguro era uma equipe de, em sua grande maioria, homens: o sober coach, seu empresário (que também era empresário dos Jonas...), seu melhor amigo, Nick (que andava sempre com ela, não só pra ganhar dinheiro nas turnês) e, é claro, seu namorado da época, Wilmer Valderrama. 

        SUBTÓPICO DA FASE 6: 

              DEMI & WILMER


Pra começar a falar de Dilmer, vocês tem que entender logo uma coisa: Demi era OBCECADA por esse homem. Completamente fascinada. Apaixonada até o dedinho do pé. Coloquem isso na cabeça. Dentre tantos problemas de Demi, fingir ou ser falsa em relação aos seus sentimentos nunca foi um. Era visível, palpável, dava até pra pegar e sentir materialmente o afeto e o amor que ela sentia por Wilmer - tava no olhar, no modo como ela falava dele e escrevia pra ele, no modo como ela o defendia de tudo.

Sabendo também que Demi sempre foi uma pessoa emocionalmente carente, que precisa de alguém por perto que se importe com elu, não se assustem ao notar que, sim, o maior fator de colaboração pra seu momento mais estável e mais calmo foi, de fato, Wilmer. 

Demi conheceu Wilmer aos 17 (dezessete!) anos - ele tinha 29. Eles começaram a ter algo quando ela fez 18 (isso é o que Demi conta - eu que não duvido que Wilmer tenha ficado com a menina adolescente mesmo). Mas foi só nessa era, nessa personalidade estável, que Demi e Wilmer se consolidaram, e passaram de um rumor, de algo que acontecia esporadicamente, pra um casal de fato. 

Eu disse que Demi era péssima sozinha - e ainda é. Não por nada sua fase de maior estabilidade, a fase em que Demi mais aparentou estar bem, era uma fase em que ela tinha um relacionamento pra se apoiar. Demi não consegue fazer nada sozinhe, nunca conseguiu - porque elu não foi criade, nessa indústria, pra pensar por si. A solução, na época, foi usar de seu relacionamento com Wilmer como base de tudo: base do seu bem estar, base do seu tratamento, base da sua estabilidade. 


Wilmer já havia sido uma pessoa problemática, também (deem uma olhada na época que ele namorou com a Lindsay Lohan). É quase como se ele entendesse. Não dá pra negar que o esforço dele de se manter presente na vida de Demi, apesar de todos seus demônios, foi o que transformou o relacionamento deles, pra ela, em uma necessidade. Foi alguém que não saiu do seu lado em nenhuma das fases anteriores, nem mesmo nas piores delas. Era inevitável, pra alguém carente de atenção como Demi, que Wilmer fosse exercer esse papel de seu Salvador.

“People told him, ‘You should probably leave. She’s on a spiral, and you’re going to be sucked down with it.’ But he was like, ‘I’m not leaving. This is somebody I really care about,'” Lovato told Cosmopolitan in 2015 after opening up about her struggles to get sober and her stays in rehab.
É claro que tudo iria desmoronar, e todo o trabalho iria por água abaixo, quando Wilmer saísse de sua vida...

Porque esse é o problema de sustentar o seu próprio eu em outro alguém. Você não sabe como seguir quando esse alguém vai embora. 

Fase Sete: O Amadurecimento? 
Causas: o término e as recaídas 

 
(Olha essas imagens. Do you think a depressed person could look like THIS?)

Demi Fase Sete é uma Demi da era Tell Me You Love Me, marcada pelo término com o Wilmer e seu novo álbum, o mais maduro até então - que serviu alguns bops como a faixa título (que no clipe ela casa com o doido de Grey's Anatomy), Sorry Not Sorry e Cry Baby, minha favorita de todas as músicas mais recentes. Cry Baby é uma faixa que foi escolhida a dedo pra estar ali, como um ode à sua Fase 1. É imprescindível que fãs de Don't Forget e Here We Go Again escutem essa (é sério!!! abre esse spotify, Demi tem que pagar a internet).

Esteticamente, Demi - como dizem os jovens? -, serviu nessa fase. Foi seu maior ato fashion, seu maior ato musical adulto, parecia brilhar a cada aparição pública, a personificação do seu sol de Leão.

Pena que isso não significava nada, porque era tudo mentira.

Com o término (que foi mútuo? por algum motivo?), Demi, que ainda era claramente apaixonada por Wilmer, pareceu querer estar no seu melhor, pra que de alguma forma ele ressentisse sua perda. Isso é tão real que no documentário Simply Complicated (2018), tem toda uma cena montada pra mostrar o reencontro Demi e Wilmer pós término, e são fitas e fitas de narração da própria Demi dizendo que sempre vai amá-lo, que sempre será apaixonada por ele...


... só pra logo em seguida encaixar a cena em que afirma estar tendo o momento de sua vida saindo com todos os homens que esbarram em seu caminho, e feliz demais com isso. 

?

[Lista de pessoas com quem Demi namorou/pegou após ficar solteira: 
Neymar;
- um outro brasileiro lutador de MMA;
- Lauren (seu primeiro relacionamento sáfico publicamente, mais conhecidas como MINHAS MAMÃES);
- esse homem aqui, seja lá quem for, mas que tinha 2km de altura;
- possivelmente essa dançarina dela;
- mais uns 94 que não foram a público.]

Nessa época, quem se movesse perto, Demi tava pegando. Talvez pra tentar mostrar pra Wilmer o quão bem ela estava mesmo sem ele, talvez porque ela mesma não soubesse como estar sem ninguém, talvez pra não pensar muito sobre o fato de que ela estava sozinha, ou pra não se sentir sozinha. Mesmo assim, o fantasma de Wilmer sempre estava por perto: Demi ainda estava próxima de Joe e Nick (amigos próximos de Wilmer), e os dois seguiam amigos, com o mesmo círculo de convívio, mantendo contato. 

Em Simply Complicated, Demi menciona suas recaídas com seu transtorno alimentar - e atribui a culpa ao seu término com Wilmer, em sua impossibilidade de lidar com perdas e dor. No mesmo documentário, Demi narra o refúgio que achou em academia e esportes (como vocês acham que ela conseguiu namorar tanto lutador de MMA?), o refúgio que ela achou em ficar com qualquer e toda pessoa, o refúgio que ela achou em voltar a ir em festas... em voltar a beber... em voltar a usar drogas... Não, ela não narrou todos esses refúgios, mas foi o que aconteceu. E notem o padrão: a academia, a dieta e os esportes em excesso, eram só seu vício e mania atribuídos a outra coisa. Quando isso não foi o suficiente, veio o sexo. E como isso também não preencheu nada, Demi trouxe de volta as festas e as bebidas. E, consequentemente, as drogas. 

Tentando preencher algo que Demi sentiu ter perdido, sua recaída, que culminou na overdose que sofreu em 2018, foi o resultado de alguém que saiu do seu melhor pro seu pior pelo simples fato de não ter mais companhia, de não mais se sentir amada por alguém que acompanhou e compreendia todas suas nuances. Ao tentar mostrar ao público e ao próprio Wilmer que estava bem, bem demais, Demi esqueceu que ela era uma pessoa delicada, com um histórico delicado, com demônios muito pesados e uma doença traiçoeira. 

Demi quase morreu por sua necessidade de se encontrar de novo. Sozinha.

Fase Oito: O Renascimento e o Decair
Causas: um noivo psicopata


Em 2020, antes do mundo virar o que virou, uma Demi recuperada dava o ar da graça. Cantava no Grammy, em sua primeira apresentação depois da overdose, e era ovacionada pelo público. Cantava o hino nacional americano no Super Bowl. Parecia o renascer, mais que merecido, pra uma sobrevivente. 

Mas deixa eu te levar pra um pouco antes. 

Em 2019, Demi saiu do hospital alegando abandonar de vez seus antigos hábitos, uma vez que estes tinham acabado de quase matá-la. Era um milagre que ela estivesse viva. Demi sabia disso, e internalizou isso, e se recuperou decidida a viver uma vida que fizesse jus ao milagre que ela havia recebido. 

Foi instantâneo? Não. Em um primeiro momento, Demi parecia dar continuidade às tendências que iniciou na fase anterior: sempre vista com um namorado diferente. Sua incapacidade de se manter sozinha, mesmo depois de TUDO, continuava levando-a a se relacionar com qualquer cara meia boca que quisesse fazer parte da vida dela, como esse ou esse - um mais feio que o outro, se me permite. Mas eram distrações pra ela, distrações pra uma mente que, tão fragilizada, não aguentaria estar sozinha de novo ao voltar pra casa. 

Nada demorou muito tempo, e Demi fez o que qualquer outra pessoa em situação traumática e ex usuário de drogas faria: 

Virou crente. 

É sério. 

Demi foi preencher seu vazio espiritual na Igreja - a mesma Igreja de Justin Bieber e sua esposa Hailey Bieber. Sem surpreender ninguém, após virarem amigos de escola dominical, surgiram boatos de que Demi estaria em negociações pra assinar com quem? Scooter Braun, o maior inimigo de Taylor Swift e empresário de Justin Bieber. Isso tudo, é claro, foi previsão de Deus: Demi de fato assinou com Scooter, fazendo parte da sua equipe agora. 

Entra em cena a fofoca que eu sei que vocês querem saber: 

Max Ehrich. Se você me perguntar quem é Max, eu vou ficar te devendo a resposta. Pelo que eu entendi, ele foi um extra em High School Musical 3, e a longa carreira de ator dele só consta com vários papéis de figurante. Nem sei se existe de fato uma confirmação de como eles se conheceram, mas o que se sabe é que eles começaram a sair, a pandemia aconteceu, e Demi achou de bom tom... convidar o cara que acabou de conhecer... pra passar a quarentena... na casa dela...

Hum...? Isso tinha como dar errado em níveis. E deu, porque o cara revelou ser a versão real do psicopata de You. O que a gente sabe agora é que Max na verdade era um sanguessuga de celebridade, tentando proximidade com quem quer que fosse pra ganhar status. A obsessão dele de verdade era com a Selena Gomez: tem prints na internet deste homem indo atrás de Selena que é o suficiente pra uma ordem de restrição. Quando esbarrou com uma abertura de Demi, nossa carente, solitária, sem-saber-lidar-com-Estar-Sozinha Demi, Max levou cachorro e cueca pra dentro da casa alheia COM CONSENTIMENTO DA PRÓPRIA. Eu sei lá. Façam terapia. Um terapeuta não permitiria uma situação dessas. 

Poucos meses depois, é claro, por que não?: noivos. Um pé rapado que não tinha onde cair morto, comprava seguidor e comentários no Instagram, morava de graça na casa de uma artista depressiva, comia de graça, usava internet de graça... comprou um anel avaliado em 1 milhão de dólares? Qual foi o AGIOTA que esse homem acionou?

Não disse que a Demi tava crente nesse época? Adivinha quem também é... o sociopata. Digo é, no presente, porque até hoje ele tá aí postando que Deus tem um propósito pra tudo, e gravando filme evangélico. Eu não minto com essas coisas. Eu digo pra vocês que essa coisa que crente tem pra querer casar com 2 meses de namoro só pode ser duas coisas: vontade de transar ou golpe. Tem foto dos dois saindo da igreja juntos, louvando juntos, Demi dizendo que o noivo foi uma "benção de Deus" na vida dela... 

Quando tudo veio à tona e todo mundo teve conhecimento de que Max estrelava a própria versão de You, Demi soube junto com a gente. Imagina que vergonhoso você descobrir, junto com a internet, que seu noivo, esse que você tá morrendo de amores e dizendo que é presente de Deus, é, na verdade, só mais um doido. 

E imagina o que é tudo isso pra Demi, que não aguenta mais uma perda sequer, que não sabe viver sem a companhia romântica de alguém, que tenta continuamente achar alguém que preencha o buraco que Wilmer deixou - a essa altura, Wilmer casado e com um filho. A própria chegou a falar, em vídeos gravados pro seu novo documentário "Dancing With The Devil", que a dor e humilhação que sentiu foram gatilhos pra querer recorrer ao álcool, à comida e às drogas... E lá ia ela de novo, sustentando seu bem estar e seu avanço clínico e psicológico em um outro alguém, mesmo com a bagagem recente que havia adquirido. 

Com vergonha e ressentida, Demi voltou pro que sabia fazer de melhor: descascou sua pele antiga e apareceu numa nova. 

Fase Nove: Queer, Militante e Maconheira Assumide
Causas: vergonha do noivo psicopata? fé abalada?  


Demi de agora. Quem é você? 

Você é você mesme, de forma autêntica, resultado de todos os percalços que te trouxeram aqui, numa jornada que era pra ser assim desde o início? Ou você é uma pista paralela à sua anterior, uma vez que a anterior deu errado? 

Se ainda noiva de Max, se Max se revelasse ser um cara mentalmente saudável e com boas intenções, esta versão de Demi existiria? Meu palpite é que não. Demi estava satisfeite em fechar os olhos pro que estava óbvio, porque isso significava que elu podia fingir que estava feliz ao lado de uma pessoa que se importava com elu. Não era verdade, mas era o que Demi escolhia ver, porque era o que necessitava. Se tudo tivesse terminado bem, se Max fosse outra pessoa, talvez essa manifestação de Demi sequer fosse ver a luz do dia.

Mas o fato é que está aqui. Parece, de novo, uma tentativa de justificar tudo que deu errado. Meu ex noivo era um psicopata? Foda-se, eu sou queer demais pra casar com um homem cis anyway. Minha música pop não deu certo e não levou um Grammy? Aquela não era eu, aquela Demi de salto alto era o que minha equipe queria que eu fosse. E assim vai... nesse momento, tudo para Demi tem uma justificativa - sempre é algo nos cosmos, nas cartas, na energia. A culpa nunca é delu. 

Se eu tivesse perdido tanta coisa, eu também precisaria dar uma relativizada pra não enlouquecer. Eu entendo essa parte. Mas dá pra fazer isso sem matar sua versão antiga, não dá? Sua incapacidade de tratar as coisas pela raiz é tão rasa que você prefere queimar todos os seus antigos vestígios do que ter que lidar e aprender com eles? 

A não-binariedade assumida por Demi recentemente é, provavelmente, o único pedaço de autenticidade que eu achei nessa versão. Realmente parece que é algo delu, não alguma variação de tentativa de lidar com trauma, como quase todo o resto. 

Mas a verdade é que Demi se isolou de pessoas que já conheciam-lhe e se encontrou em novas. Pessoas com exatamente a mesma personalidade que elu. Ou melhor: pessoas de quem elu decidiu copiar, pra ser parte de algo. Não é a toa que Demi tem um quarto psicodélico pra intensificar o efeito de drogas recreativas dentro de sua casa agora. Sim, Demi que quase morreu não muito tempo atrás de overdose. Quarto esse usado por elu e seus amigos, que são ativistas ferrenhos de que você pode usar maconha moderadamente mesmo com problemas de vício, por exemplo. Mas será que dá mesmo? Uma pessoa com um problema de vício tão delicado, que jura de pé junto que abstinência é pior, consegue mesmo se manter saudável só com uso recreativo de algumas substâncias? Pra alguém que já é tão fragilizade, isso não é só deixar a porta entreaberta?

Não sei. 

Meu desejo, como alguém que acompanhou todas essas fases, que cresceu junto de Demi Lovato, era que elu se libertasse da necessidade de moldar-se àquilo que o grupo da vez, que está lhe dando atenção, representa. Como fundamentar uma carreira falando para as pessoas serem elas mesmas se você nunca, nunca foi isso? E agora, que você me jura que É Isso e Pronto, quem me garante que daqui a pouco, na próxima desilusão com um desses amigos, você não vai apagar essa versão e construir outra do zero? 

Eu tenho alguma garantia sequer que esta versão de Demi é a mais autêntica até então, como elu me garante ser? 

Pelo histórico, não. 

Mas o resto é história... 

Conhecendo Demi como conheço, uma história longa, bem longa, longe de encontrar o fim. 


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Nota da editora: 

Aos meus assinantes queridíssimos, eu tenho dois mimos!

O primeiro deles é um teste do Buzzfeed. Leu todas as fases de ambos os posts e ficou se perguntando qual delas você seria? Seus problemas acabaram.


Por último, todas as músicas mencionadas em ambos os posts - e algumas extras - estão presentes nessa playlist aqui :)!