Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei*


*Mediante termos e condições.

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Foi num mês de junho (de 2019) que eu escrevi pela primeira vez sobre o relato do meu Gênesis - sendo comicamente trágico que tenha sido justo em junho, esse mês de dias pesados que amar vira um ato desafiador. Esse junho de posts coloridos, de Senado e Câmara Federal refletindo holofotes em arco-íris, de propagandas de publicidade abraçando uma visibilidade que não existe em janeiro, outubro, dezembro. Foi num mês de junho de 2019, esse mês do orgulho - a quem quer que pertença esse orgulho -,  que eu escrevi sobre meu retorno à instituição cristã de I maiúsculo, que em junho de 2019 parecia me envolver no abraço da tão esperada compreensão. Mas abraços escondem faces, e faces denunciam intenções. Em junho de 2021, 2 anos depois, esse abraço me apertou, me sufocou - e a mesma mão que me abraçou, arrancou meu coração fora. 

E então eu morri. Não morri fisicamente, apesar de ter tentado. 

Para eles, morri em espírito. 

Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus.  (Gálatas 3:28)

Não é mais do meu interesse aparecer aqui pra escrever páginas e páginas sobre minha experiência, minha fé, e as formas que isso é covardemente utilizado pra me atingir, pra me fazer virar alguém que eu não sou. Não quero mais. Eu não tenho competência pra dizer quem Deus deveria ser, não tenho necessidade de tentar demonstrar quem Ele é pra mim - se é que sobrou algo a ser. Nem quero dizer sobre o quanto a Igreja mata até hoje, perpetuando o mesmo enredo à época de Jesus Cristo, que condenava aqueles que oprimiam em nome da Lei de Moisés. Cansei de tentar me expressar em tudo isso. 

E ainda assim, sou constantemente forçada a continuar. 

Nunca foi me dada uma escolha às consequências que atribuem a mim. Eu sequer pedi por um salvador? Eu pedi por uma vida em que tenho de me mutilar e me rasgar pra caber dentro de uma caixa que simplesmente não sou eu, só pra que isso me dê a vida eterna? Sangrando como eu sangro, você acha que eu tenho interesse de viver eternamente? Tu me fizestes como bem entendeu, e não me ofereces Sua misericórdia ao só me deixar morrer em paz? 

É difícil o suficiente ser informada e relembrada, constantemente, sobre a obrigatoriedade de louvar e adorar um Deus que, pra você, só é apresentado como alguém que não lhe recebe da maneira como estás. 

Um cartaz escrito "venha até mim TODOS", com as condições em letras minúsculas, uma série de restrições ao significado de todos. 

Um outro cartaz mais gentil, logo ao lado, escrito "venha a mim TODOS", sem as letras minúsculas de condições, que te chama a atenção por não estarem segurando, na mão contrária, tochas e espadas. E aquilo te faz bem, porque finalmente parece que algo está mudando, até ficar claro que tudo não passa de uma falsa sensação de "sou tão galera, amo sem ver a quem", só pra te moldar aos mesmos pré-requisitos porque "podem VIR todos, mas para ser continuar aqui como Certo, negue-se a si mesmo".

Que Deus é esse que vocês pregam? O Deus abraâmico, o justiceiro, uma entidade obcecada por glória, que teve de criar toda a humanidade só pra ser louvado. Ele se parece com o Javier Bardem? Você faz, faz, faz - se recorta tantas e tantas vezes pra tentar ser o que letras estáticas da Bíblia te dizem pra ser - mas nunca é o suficiente? Você vive uma vida robótica incapaz de responder questionamentos, lutando e matando por uma palavra que você sequer entendeu, tamanha sua falta de compreensão literária? 

Eu temo esse Deus. Não o temor divino, o temor de medo. Eu tenho medo do que vocês falam. Eu me recuso a seguir em algo por medo, por achar que se não feito exatamente assim, eu serei jogada em um lago de fogo.

Que me jogue em um lago de fogo. Estou certa que não arde tanto quanto meu coração arde em junho de 2021. 

Quanto a estes pequeninos que creem em mim, se alguém for culpado de um deles me abandonar, seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no lugar mais fundo do mar, com uma pedra grande amarrada no pescoço. (Mateus 18:6)

A esta altura eu não me importo se você diz saber que eu não entrarei no céu. Já tiraram tanto de mim, de quem eu sou, do que eu acredito, que honestamente nem sei se há um céu - e, caso exista, não sei se pertenço lá. Sei que não pertenço aqui com vocês em terra. Não consigo. Já tentei. Meu coração não é assim. 

Se o céu eterno é uma extensão da Igreja na terra, o que eu faria lá? Confraternizaria com meus irmãos que me perseguem, com os que me abandonaram, com os que me espancaram, que me expulsaram de ambientes que eram meus? Se você espera isso de mim, estás esperando na pessoa errada. Esse é Jesus, não eu. Não sou Jesus, o filho de Deus, pra ser perseguido e morto em prol da causa maior, em amor à humanidade. Sou só uma pessoa. 

E ainda assim me mata diariamente, de pouquinho em pouquinho, que os que se entendem como escolhidos são meus perseguidores, perseguidores dos que são iguais a mim. Me mata que meus similares tenham de se esconder junto comigo, temer pela própria vida, temer um leve e simples segurar de mãos com um igual. Não percebem a dor que propositalmente nos provocam - seus irmãos, seus iguais? 

Jesus teria a arrogância que sai da sua língua ao se colocar como superior a todos os outros pecadores imorais que são tão diferentes de você? Teria tamanha agressividade ao colocar o próprio filho na rua? Seu Jesus faria isso? Pare de tentar camuflar seu próprio coração apodrecido em fundamentos de um cristianismo que não te ensinou o que você perpetua. Pessoas tendenciosas te ensinaram isso. Jesus nunca ensinou intolerância - quem o matou, sim. 

e lhes disse: "Vocês sabem muito bem que é contra a nossa lei um judeu associar-se a um gentio ou mesmo visitá-lo. Mas Deus me mostrou que eu não deveria chamar impuro ou imundo a homem nenhum. (Atos 10:28)

Em junhos, eu não sangro só por mim. Sangro pelos meus iguais. Os perseguidos, os destituídos de receber amor da própria mãe, os incompreendidos, os que tiveram portas fechadas e sessões de exorcismo justificadas no amor alheio. Eu não dou mais duas fodas pra crente colhendo o que planta, a justiça não é minha a ser feita. Com o coração que eu lutei para manter, eu antes ainda conseguiria oferecer simpatia aos meus opressores. Hoje, depois de tanto e tudo, só consigo olhar com indiferença. Não é do meu perdão que você precisa.

Eu me posiciono com os meus. Com os que acordam diariamente colocando a cara à tapa, emocional e fisicamente, onde todo dia é uma batalha só pra manter-se vivo. Em junho, neste bem mais que nos outros, eu sinto o que vocês sentem, o que nós sentimos. Eu divido meu coração com vocês, e ofereço o meu afeto e consolo. Não é o divino - eu jamais conseguiria me assemelhar ao Divino -, não é o que é idolatrado pelas massas, mas é um verdadeiro afeto, um honesto consolo. 

Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. 

Mesmo que devessem saber. O nosso choro e nosso desespero deveria ser sinal suficiente. 

Às Igrejas e seus preletores, avisem que eu morri. Deixem acharem que eu morri. É melhor assim. 

Feliz junho, feliz mês do orgulho LGBTQI+, feliz, feliz, feliz... Sou feliz de amar como amo, sou feliz de ser amada de volta. Tenho orgulho da minha sobrevivência, da nossa resistência. Mesmo sem teto pra morar, sem afeto, sem fraternidade, sem compreensão, sem acolhimento, sem pele, sem vida. Mesmo que nos tirem tudo, mesmo que nos tirem a vida, como tiraram de tantos de nós justamente neste mês... mesmo assim, teremos vivido. De cabeça erguida, sempre. 

Ninguém mais deve ter o poder de nos dizer o que ser. 

Se o preço a ser pago por essa coragem às cegas, mesmo na fraqueza, for queimar no fogo... que assim seja. Estamos queimando no fogo dessas fogueiras mundanas há tempo o suficiente pra saber que se cairmos, caímos lutando. 

— Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Pois vocês fecham a porta do Reino do Céu para os outros, mas vocês mesmos não entram, nem deixam que entrem os que estão querendo entrar. Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Pois vocês atravessam os mares e viajam por todas as terras a fim de procurar converter uma pessoa para a sua religião. E, quando conseguem, tornam essa pessoa duas vezes mais merecedora do inferno do que vocês mesmos. (Mateus 23:13, 15)

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Esse texto é dedicado a todos que já foram oprimidos por discursos intolerantes e intolerantemente religiosos. Aos que sofreram e sofrem qualquer tipo de violência física, psicológica ou moral por serem quem são. Sinto por e com vocês. Obrigada por sentirem por mim de volta. Estamos juntos.