Eu vou te odiar como um idiota odeia: Jão e o fenômeno "coisa de mulherzinha"
Era um sábado quente pra caralho no autódromo de Interlagos quando fui no meu primeiro Lollapalooza - também meu primeiro festival, talvez até meus primeiros Shows De Verdade, se você ignorar o show do Maroon 5 em Fortaleza com minha madrasta uns bons oitos anos atrás, quando meus amigos de ensino médio ainda eram héteros - então não conta de verdade. Eu tinha uma pochete e um sonho: aguentar viva até o show da Miley Cyrus, o último da noite, situação extremamente delicada devido ao meu histórico de passar mal em multidões (vomitei o dia inteiro do show do Maroon 5 em 2014).
Tudo isso pra pintar o quadro de que não era minha intenção gostar tanto do show do Jão no meio dessa tarde quente-caótica, mas eu e Julia tínhamos acabado de ganhar um bucket hat da Olla com camisinhas de graça, então eu tava feliz demais. Coisas de graça me fazem feliz. O show do Jão era teoricamente de graça, também - ninguém calcula quanto custa um só show dentro do valor cheio do ingresso de quase mil reais de um dia de festival. Pra completar, uma parte do meu ingresso era residual de uma Taylor Swift que nunca veio. Feliz demais.
Tenho essa impressão que shows pela manhã são mais gostosos. Talvez o Cara Do Som não concorde - imagino que dias tornem o trabalho dele meio inútil -, mas eu sou uma mulher de 1,58 de altura, pouca disposição de pular e preocupada demais com meu peso pra subir nos ombros de alguém. Pra além de tudo isso, o show do Jão foi no Palco Onyx, o único palco que fica dentro de um buraco, com toda a multidão em volta numa arquibancada sem assentos. Talvez tenha sido isso - talvez eu tenha que dar o devido crédito às circunstâncias; afinal, foi o primeiro show que eu Vi, na altura dos olhos, sem precisar me confiar no telão atrasado. Talvez. Tudo é um talvez. Fato é que: eu vi.
Sei lá quem era Jão antes Do Show Que Eu Vi - exceto, é claro, por uma ou duas meninas no TikTok comentando sobre, durante o pré-estouro de Idiota.
[Isso é mentira. Eu sabia quem era Jão por esses vídeos do Tiktok, sim, que eu inclusive pulava antes de acabar, por achar, como dizem?, cringe. Mas aí saiu a setlist do meu dia no Lolla, e eu não queria ser uma daquelas pessoas que fica parada sem saber letra alguma, minha adolescência como fã de pop no Twitter me treinou pra ser melhor que isso. Em alguma noite qualquer no meu antigo quarto eu coloquei as músicas dele pra tocar, filtrando pelas mais famosas, pois pelo menos essas eu tinha de aprender. A partir daí, o que me fez conhecer o Jão por nome e decidir assistir o show dele ao invés de continuar coletando brindes de graça foi o fato de ele parecer com o Darren Criss. Esse é um ponto muito sensível e pessoal meu, peço que não mencionem, mas o Jão é definitivamente o que o Darren Criss poderia ser se fosse bissexual assumido e mainstream. Fiquei viciada na ideia de que tinha um Darren Criss da 25 de Março aqui no Brasil que tinha dado certo. Foi isso que me fez assistir aquele show na tarde quente de sábado.]
Questão é que: é bom. Não é bom qualquer - não é um bom falso como foi o da Clarice Falcão (horrível), não é um bom normal como foi o do Maroon 5 em Fortaleza; é BONZAÇO. É qualidade palpável que parece ter saído de uma turnê que, sei lá, já que estamos nessa linguagem juvenil, o Harry Styles faria - e o mais intrigante é que nem ele tá fazendo. É grande, é bem produzido, tem cenário, tem contexto, tem umas backing vocal de elite. E isso tudo eu concluí ainda sendo a pessoa que Não Conhecia Jão, que sequer sabia que o nome dele era João Vitor (inaceitável). Fã eu sou hoje, na época eu era público de festival: público que não conhece, público feito por gente que tá passando de bobeira na frente do palco antes do show e decide ficar por lá. Foi esse o caso. Cheguei, encostei. Quando olhei pra trás, não conseguia ver o fim do mar de gente.
Sei lá quais são os perrengues de ser um novo artista na indústria musical brasileira, acredito que sejam muitos. Imagino que um nicho específico do Twitter que Não Gosta do conteúdo seja o menor dos problemas de conseguir viver de música nesse país, principalmente independente (até onde eu sei, o Jão tem a própria gravadora). Mas vez ou outra eu esbarro no discurso "não acredito que tem gente que gosta disso de verdade", e, meu Deus, como é irritante a prepotência do gay que escuta Grimes.
O Jão já tinha a fama de ser "música de encontro de jovens da igreja batista", e como alguém que passou anos na igreja batista, POR QUE NÃO? Dentre todas minhas ressalvas quanto igrejas e religião, vocês já viram BANDAS de igreja? Que mal tem? Além do mais, o que é o Justin Bieber hoje se não um líder de jovens de um EJC?
Geralmente cago com muita elegância pra crítica pessoal que vai contra meus interesses pessoais... hoje. Depois de passar anos e anos perdendo amizades com pessoas que não gostavam da minha personagem favorita, River Song. Desde esse período, sou imune a quem não gosta do que eu gosto. Minha única grande ressalva quanto a isso são os motivos.
O Jão é visto de canto de olho por um nicho específico da internet por atrair um público que é sempre muito específico e barulhento: meninas adolescentes conglomeradas no TikTok. Na minha época, esse grupo era representado por fãs de Crepúsculo e McFly nos fóruns de comunidade de Orkut, depois Belieber e Directioner no Twitter. Esse grupo sempre existiu e sempre vai existir, pois sempre vai ter menina adolescente com crush no mundo. Fã de música em geral, no Brasil, sempre respeita essa hierarquia inventada e silenciosa de que o produto do interesse desse grupo específico é automaticamente ruim.
Rolava um texto no Medium um tempo atrás sobre como o kpop era visto dessa forma por ser lido como conteúdo desse grupo de, na sua grande maioria, meninas jovens. Automaticamente se tornava algo a torcer o nariz, pois como poderiam menininhas terem um bom gosto? Sendo brasileiro, então, capaz de carregar todas as minorias.
É como colocar Jão e Shawn Mendes lado a lado: ambos conteúdos de "torcer o nariz" pela hierarquia inventada, mas, ainda assim, o Jão cai mais pra baixo na pirâmide por ser um produto nacional, perto demais da casinha pra ser olhado com outros olhos que não os de viralata internacional, muito embora a qualidade do que ele entrega seja infinitamente superior à qualidade do Shawn Mendes.
É esquisitíssimo perceber que um determinado público de ~~críticos musicais, always men, usually gay, que não entenderiam essa referência por nunca terem escutado The Last Five Years, mas que escutam diariamente álbuns de artistas dos confins da Noruega, com músicas de 9 minutos e remixagem de batida em panela que acham Genial, é, na verdade, um grupo feito do mesmo suprassumo dos geriátricos fãs de Iron Maiden que só gostam de rock feito antes de Jesus Cristo nascer. Com uma pitada do cinéfilo que acha os filmes do Tarantino as melhores coisas já criadas, sem admitir que Shrek 2 é muito melhor que Jango.
O Diabo Veste Prada sempre vai ser melhor do O Poderoso Chefão, e tá tudo certo. "Conteúdo de mulherzinha" pode ser do caralho. O quão pedante é ficar preso em scrobbles do lastfm para seus fellow indie gays te analisarem dependendo do quão experimental e desconhecida é a música que você escuta? Que vida vazia e infeliz. Às vezes a gente só quer a simplicidade do conteúdo mulherzinha, pular gritando EU VIM DO INTERIOR segurando uma bandeira LGBT. Isso vindo de uma sociedade que cresceu com É O Tchan. Não dá pra acreditar que nós, como sociedade, perdemos a felicidade de simplesmente curtir.
Não ironicamente, toda essa Superioridade Musical me lembra quem não assiste BBB porque está ocupado lendo livros.
Meu parceiro, 2022. Vamos nos alienar.
Cabe a todos nós ser um pouco do Elton John: um clássico, um marco, que depois de velho taca o foda-se e agora só faz pop farofa com artista pop farofa. A vida é muito curta pra envelhecer sem apreciar o novo. Ficar preso no tradicional é tão Bolsonarismo das ideias. Você quer ser comparado a um Bolsonarista? Pense sobre isso.
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[[Ademais, dentre tantos pecados que cometo sendo fã de Jão, o maior deles, gratuitamente pontuado por minha amiga Clara, é chorar por um ecano da USP.]]
Na sexta, o Jão se apresentou no Rock in Rio, tranmissão que eu assisti pela TV da Cecília enquanto fingia concluir meu home office - até ter de desligar o trabalho pra chorar. Chorei catarticamente durante a música Imaturo, que nem é uma música triste, mas tem uma força que me puxa quando todo mundo canta É QUE EU SOU FRACO, FRÁGIL, ESTÚPIDO PRA FALAR DE AMOR, porque eu também sou fraca, frágil e estúpida pra falar de qualquer coisa. Chorei freneticamente enquanto lembrava de ter gritado isso no Lolla, mesmo sem saber a música direito, quando morar em São Paulo e me soltar das minhas amarras e demônios em casa era apenas um grande e distante sonho. Continuei chorando quando segui lembrando da segunda vez que berrei isso ao vivo, no show do Jão no Espaço das Américas um mês atrás, com minha namorada me abrançando e voltando comigo pro lar que montamos juntas.
Não é justa a superficialidade que atribuem ao falso "gosto de menininha"; é um conteúdo que pode ser tudo, menos superficial. Meninas jovens são as criaturas menos superficiais que já tive oportunidade de conhecer e ser - sentimos tudo, tudo junto, toda hora. Quando algo é acolhido por esse nicho, geralmente é por ser um porta voz desse caos de sentimentos não racionalizados. Particularmente, isso me pega de um jeito muito específico, de me lembrar que ainda sonho em sair de uma área profissional que adoece pra fazer o que eu amo e quero fazer: colocar meus sentimentos e pensamentos num papel dentro de uma garrafa, jogar no mar, e esperar alguém achar e ler, até que faça sentido.
Se eu ainda pudesse escolher algo pra ser, um privilégio que toda criança tem, escolheria isso.
Ser coisa de mulherzinha.