Archive for maio 2021

As 24 personalidades de Demi Lovato


Importante: os pronomes femininos aqui utilizados não correspondem aos pronomes usados por Demi Lovato hoje. Mantenho essa errata pra reforçar que de forma alguma procuro errar propositalmente os pronomes aderidos hoje por elu, mas sim ser fiel à sua persona à época, mais de 10 anos atrás. Os pronomes em feminino dizem respeito à Demi da época. Ao usar os pronomes neutros, me refiro a pensamentos sobre sua pessoa atualmente.

Ai, ai...
Vocês se pronunciaram e eu ouvi. 

Pra começar a falar de Demi Lovato, nós temos que voltar no tempo pra uma época onde o Disney Channel caminhava pra entrar nos anos dourados, revistas da Capricho eram vendidas a 5 reais, Flogvip era algo que existia, e o PT estava no poder. Inclusive, Flogvip - um termo/site/vanguarda que desbloqueei 4 níveis de memória descartada pra conseguir lembrar o que era -, foi o primeiro lugar onde tive conhecimento do nome Demi Lovato. Era 2008 quando novas contas dedicadas ao novo filme da Disney começavam a surgir, com fotos da personagem Mitchie provando várias roupas no quarto, no que viria a ser a cena de abertura do filme. Não sabia quem era Mitchie ou Demi Lovato, mas quem eram os Jonas Brothers eu sabia. 

E foi com essa energia que não só eu, mas toda minha turma de sexta série do fundamental assistimos Camp Rock, numa estreia nacional às 20h de um Domingo. Bastou o primeiro acorde de This Is Me pra abraçarmos nossa nova garota Disney. Ela cantava, ela era fofa, ela era melhor amiga da Selena Gomez que também tava começando, ela tinha uma franjinha que fez milhões pegarem uma tesoura cega e cortar a própria (por milhões eu quero dizer eu). Era um produto pronto pra Disney-Empresa.

A impressão que me dá é que Demi Lovato nos Primeiros Anos (Camp Rock, Don't Forget [seu álbum de estreia], artista de abertura da turnê mundial dos Jonas Brothers) era 100% um fruto do que a Disney queria que ela fosse. Imagino que a empresa não queria apostar mais no mesmo: eles já tinham a estrela pop (Miley Cyrus), já tinham uma abordagem mais R&B-Pop com a Raven Symoné, já tentavam enfiar a estética anti-pop (garota descolada, calças rasgadas, cabelo repicado, regatas e tênis) na Selena Gomez - numa referencia clara à sua personagem em Feiticeiros de Waverly Place, Alex Russo. Em que eles poderiam transformar Demi Lovato pra que ela não fosse algo repetido, algo que eles já tinham? 

Conhecida por "a irmã Jonas", não demoraram muito pra achar a resposta: vamos transformar Demi Lovato num produto pop rock, aproveitando a mesma atmosfera dos três meninos que a ela eram constantemente associados. 

De uma lista grande de personalidades já adquiridas por Demi, a primeira todo mundo conhece. Inteiramente produzido pelos próprios Jonas Brothers (e o Jonas pai), Don't Forget marcou Demi Lovato como uma extensão do som e da estética que os Jonas já faziam - afinal, era óbvio que a empresa conhecida por transformar adolescentes em máquinas de fazer dinheiro investisse em dar à Demi Lovato o suporte pra se tornar parte do produto responsável pelo sucesso de Camp Rock: os irmãos Nick, Kevin, Joe, e sua fanbase. 

Demi começava, daí, sua longa, longa, loooonga jornada de ter sua própria identidade ditada por outros. É até triste relatar sobre se você para pra pensar que, de certa forma, é com isso que elu tá acostumade: pessoas dizendo o que elu deve ser. E é aqui, meus amigos, que eu os convido a uma viagem. Uma viagem onde a gente vai perceber que Demi Lovato nunca foi elu mesme. Demi Lovato nem deve saber quem é de verdade. Tudo que já foi, e tudo que é agora, e provavelmente tudo que ainda será, são frutos do que as pessoas ao redor querem que elu seja. 

Fase Um: Demi Lovato Pop Rock
Causas: Disney, Jonas Brothers e equipe, tendências emo adolescente


Quem não balançou pescoço com o solo de guitarra na música Don't Forget, ou tentou fazer o grito roqueiro de Demi ao final de Get Back, realmente viveu em 2008? Creio que não. Bons tempos, bons tempos. A pior parte é que essa fase, em retrocesso, nem foi ruim. Foi a melhor fase. Talvez não pra Demi - não pra sua identidade e pro que isso significou em seu emocional -, mas pra gente? Crianças e pré-adolescentes sem noção de nada? Significou tudo. 

Demi manteve a franjinha eternizada no primeiro filme de Camp Rock, mas agora a franjinha era de lado, com o cabelo levemente ondulado pra ser mais fácil de aparentar desarrumado - estrategicamente assanhado, pra parecer cool. Usava chapéus e botas, andava quase sempre de preto e usando camisetas de banda que eram bem mais rock n roll que ela própria. Não acho que Demi soubesse na época que essa não era ela - pelo contrário, acho que até se divertiu com a ideia de, de repente, ter se tornado uma estrela do rock adolescente. 

Todo mundo tem uma fase """emo""" na adolescência, e Demi deu a sorte de ter a dela quando sua própria equipe queria que ela fosse exatamente isso: muito lápis de olho e muita guitarra - nunca, é claro, abandonando o decoro exigido por contratados da Disney. Em uma das mais icônicas músicas de Demi na época (tão famosa que inspirou o Damien Chazelle a escrever um filme com mesmo nome*), ela com orgulho cantava que não seria mudada pela indústria de Hollywood, que tava muito feliz de continuar usando seus Converse e que não era uma super modelo. Guardem essa informação. 

É importante mencionar que Demi tinha apenas 15 anos na época. Quem é que sabe quem é ou o que quer aos 15 anos? Ela certamente não sabia, mas se demonstrava satisfeita de ser Alguém, de ser Conhecida, de poder cantar (seu maior sonho) em palcos e virar uma artista. A essa altura, a Disney falava "sapo" e ela pulava. Mas não dá pra culpá-la. Era uma criança sendo dita o que fazer. Como um produto inédito, Demi virou a nova aposta da Disney pra ser seu novo rostinho de sensação adolescente. 

Por que, então, Demi não continuou como nosso protótipo de Ozzy Osbourne Para Crianças até o final de seus dias na Disney? É simples.

Demi Lovato cansa rápido das coisas - e cansa mais rápido ainda de pessoas dizendo o que elu deve fazer. Entramos então na

Fase Dois: Demi Lovato Pop Rock Repaginada, 2.0
Causas: Jonas Brothers e fobia à estabilidade 

    

Essa é uma Demi Lovato de transição. 

Como boa transição, essa versão não é muito diferente da anterior, ao mesmo tempo que consegue já dar indícios de como vai ser a próxima. Demi Lovato Pop Rock Repaginada 2.0 difere da 1.0 em detalhes, apenas: o primeiro deles é o cabelo. Parece pequeno, mas toda boa artista Disney tem o seu momento de ruptura/rebeldia que começa pelo cabelo - Miley Cyrus pintando de preto depois que terminou com Nick Jonas, por exemplo. Curiosamente, preto também foi a cor escolhida por sua amiga & colega de firma Demi, a simbólica franjinha agora longa o suficiente pra virar um franjão. 

Ao contrário do que a rebeldia adolescente do cabelo pintado de preto poderia representar, Demi ficou mais menininha do que sua versão anterior: enquanto a 1.0 parecia um cover do Joe Jonas em 2008, a 2.0 parecia mais um ser humano à parte da estética dos Jonas Brothers. E como, então, os JoBros entram como uma das causas pra essa versão? Pelo simples fato de que Demi não consegue expressar e exercer algo que é 100% delu. Muito dessa fase significou o distanciamento, mesmo que aos poucos, das roupas pretas e do lápis de olho, dizendo olá para coloridos e neons. Quem também andava de óculos escuro neon, calças coloridas e blazers de estampa assimétrica? 

Restart. 


Foi nessa mesma época que Demi abraçou sua rápida e passageira marca registrada: seu batom rosa, imortalizado na capa do seu segundo álbum, Here We Go Again. Eu sei de tudo isso porque eu posso ou não ter passado uns bons meses da minha vida apenas usando o batom mais cor de rosa que a revista da Avon tinha a oferecer. 

Num pop rock menos solo de guitarra que seu irmão mais velho Don't Forget, o Here We Go Again parecia mais produto da própria Demi do que de intromissões da Disney e seus produtores - como se ela tivesse dado tão certo de primeira que eles relaxaram no que impor a ela em sua próxima fase. Em alguns momentos, esse álbum soa maduro demais pro ambiente em que foi feito - e dou créditos à Demi por isso. Ainda que com a produção dos Jonas em algumas faixas (dá pra ouvir o Nick Jonas fazendo o backing vocal em Stop The World, por exemplo), em outras Demi atingiu o ápice de sua habilidade em composição numa faixa de sua autoria (Catch Me, as melhores letras que já escreveu sozinhe até agora) e ainda colaborou com o John Mayer em World Of Chances, uma faixa igualmente boa - que o John Mayer não apenas ofereceu à ela, como também pediu pra que Demi colaborasse com ele, um feito que não veio de negociações da Disney com o artista, mas sim em seu interesse pelo talento de Demi. 

Mas isso não é uma review sobre Here We Go Again, meu álbum favorito de Demi e um dos meus favoritos da adolescência. Isso é sobre a persona 2.0. E essa Demi, que recebia propostas de parceira do John Mayer e conseguia produzir um bom álbum mesmo com milhões de cláusulas contratuais pra seguir, dava sinais de que tinha potencial pra crescer conforme ela bem entendesse, do jeito que ela era. Demi Repaginada 2.0 dava indícios de que ela havia pegado sua versão anterior (imposta) e transformado em algo que era dela, que era mais ela. Mas isso era uma suposição de quem apenas observava a superfície: muito embora as pequenas mudanças parecessem ser fruto de seu amadurecimento inevitável, Demi jamais alegou que a versão 2.0 era ela própria.

Por que? O de sempre. Demi ainda não sabia quem era. Seus dois primeiros álbuns, muito embora frutos do controle de uma grande corporação, era parte dela, sim, de certa forma. Mas lá pelo segundo, me parece que Demi começou a achar confortável demais. E se tem uma coisa que Demi não suporta é estabilidade. O que nos leva à

Fase Três: A Boa Garota Se Torna Má
Causas: Drogas, rebeldia, traumas psicológicos e péssima equipe

Acompanhar Demi Lovato é saber que o fatídico ano de 2010 foi o ano em que tudo aconteceu - terminou com Joe Jonas, entrou numa fase crítica da sua relação com drogas e álcool, socou uma dançarina na cara, deixou a turnê de Camp Rock 2 pela metade e foi internada numa rehab. O que levou a tudo isso? Pois bem.

Demi já havia atingindo os 100% de sua transformação em garota tradicional estudante de Odonto, com seu Converse imediatamente substituído por saltos altos e vestidos, os chapéus e já aposentados perante o INSS e tudo. Abandonou seu cabelo preto, abriu luzes, e esperou impacientemente para que os problemas começassem. Com a demora para tal, ela mesma foi atrás deles.

Era normal, na época, esbarrar com vídeos de Demi visivelmente chapada em bastidores de turnê, nas suas fotos bêbadas simulando tirar a roupa em quartos de hotel, e nos boatos de que ninguém, absolutamente ninguém, suportava mais estar perto dela - inclusive seus já citados relacionamentos próximos, especialmente Joe (ex namorado) e Nick (melhor amigo). Kevin não. Kevin Jonas nunca teve paciência pros causos de Demi Lovato - procure um registro dos dois depois do casamento de Kevin e Danielle (que Demi compareceu), e você não vai achar. 

A rebeldia que deu sinais na personalidade anterior, aqui se consolidou. Demi já não aceitava qualquer limitação ou tentativa de controle ao seu comportamento destrutivo, o que a tornava numa pessoa impossível de trabalhar ou se estar perto - nas palavras da própria. Quase sempre sob efeito de drogas e álcool, essa Demi se agarrou nas pessoas erradas pra dar os dois dedos do meio pra Disney e sua tentativa de montagem da garota perfeita. Caótica e problemática, essa personalidade era tão auto destrutiva que não durou muito tempo: as luzes no cabelo foram presentes por apenas uns 2 meses, até que Demi foi internada pela primeira vez num centro de reabilitação, após literalmente dar um murrão na cara de uma dançarina que foi fazer fofoca aos produtores da Disney sobre suas festas extravagantes e ilegais. 

(Uma trivia irrelevante porém muito legal desse episódio é que Demi estava tão louca na droga na época que, ao surrar a coitada da dançarina dentro de um jatinho particular, Demi só voltou pra sua poltrona e dormiu o resto do voo, como se nada tivesse acontecido. Extremamente. Caótica.)


Os problemas psicológicos de Demi e seu vício não foram algo que surgiu nesse pequeno intervalo de Boa Garota Virou Má: eram coisas que sempre estiveram com ela, desde sua versão pop rock, talvez mais silenciosas na época. Ao romper com a estabilidade do suporte nos Jonas, com a confiança em sua equipe para guiar sua carreira e com seu prévio comportamento de garota exemplo da Disney, Demi perdeu seu próprio rumo, simplesmente porque ela não sabia andar por conta própria, nunca soube. É necessário que pessoas estejam guiando seus passos, opiniões e comportamentos a todo momento, já que ao mínimo sinal de solidão, Demi tende a abandonar todo o bom senso e se abrigar nas mais tóxicas pessoas, nas mais destrutivas situações.  

O tempo na reabilitação poderia ter servido como o momento em que Demi perceberia isso. Não foi o que aconteceu.

Fase Quatro: Garota Má Se Torna Uma Boa Mentirosa
Causas: Más companhias, síndrome de mentira compulsiva


Eu não falei pra vocês guardarem a informação da mensagem de Demi em sua música chefe do primeiro álbum, La La Land? Demi que não era uma super modelo, Demi que se vangloriava de seus estilos alternas e se achava visionária por usar vestido rodado e tênis, Demi "oh-eu-não-sou-igual-às-outras-garotas", I'm a weirdo, I don't fit in... Essa Demi? Morreu. 

Demi da fase quatro é uma Demi que acabou de sair de um centro de reabilitação para seus problemas psicológicos e vício em substâncias, mas que em momento alguém desejou estar em rehab ou sequer queria estar sóbria. Em resumo da grande ópera, Demi só aceitou ser internada quando seus pais afirmaram que ela não teria mais contato com sua irmã mais nova, Madison, se não fizesse tratamento. Então ela foi - não porque de fato queria, mas sim porque estavam prestes a tirar dela algo que era importante. E essa Demi "eu não ligo pra nada", essa Demi que mandava todo mundo se foder enquanto cheirava cocaína, se importava pelo menos com uma única pessoa: sua irmã. 

É sabido, no entanto, que a longo prazo ninguém muda por outra pessoa: mudança de pensamento, atitude e comportamento é algo que tem que partir de você mesmo. E foi assim que Demi, ao sair da rehab e esfregar na cara dos pais que tinha feito o que eles queriam, deu continuidade à sua persona antiga de maneira intensificada. As drogas experimentais e recreativas da fase anterior viraram um costume, as festas clandestinas eram escondidas pois na manhã seguinte Demi teria que dar entrevista sobre ter controlado seus vícios em reabilitação, as camisetas com a frase "the only coke I do is diet (a única coca que eu uso é a diet)" escondiam a relação de Demi com a criadora da marca, que ironicamente era conhecida por suas festas onde cocaína era servida em bandeja. 

Demi, com seu novo aplique de cabelo, suas turnês com mais de dez dançarinos, suas coreografias, o glitter em excesso e as festas sem limites, virou tudo que ela disse não ser quando começou: um ato pop problemático (ver: Britney Spears, Miley Cyrus). No álbum Unbroken, seu trabalho musical fruto dessa era, a nova personalidade de Demi era tudo que já conhecíamos em nossas princesas do pop anteriores, perseguidas pelos seus próprios traumas. Batidas sintéticas, samples e equalizadores substituíram os instrumentos reais das músicas de Demi e, assim como ela própria, sua música também ficou genérica. 

Genérica parece ser a palavra adequada pra personalidade quatro. Tudo em Demi, nessa época, era absolutamente falso: do cabelo aos discursos. Era muito fácil, pra ela, mentir sobre estar recuperada e se esforçando, lançar Skyscraper, e gravar um documentário sobre sua luta pessoal sob efeito de cocaína durante as entrevistas. Aqui, Demi compreendeu que conseguiria tudo de seu jeito se fosse a melhor mentirosa que pudesse ser - e foi o que fez. Seja por descuido, negligência ou simplesmente por terem sido manipulados por ela, a equipe de Demi pouco fez pra exercer controle na situação. 

Mas Demi estava fazendo as coisas como queria e enganando todo mundo no processo. Seja lá o que sua equipe e pessoas próximas planejassem fazer, não é como se ela fosse aceitar qualquer imposição alheia de bom grado. 

Fase Cinco: Uma Camaleoa e A Falsa Sensação de Estabilidade
Causas: Contratos, trabalhos na TV e agenda cheia


No ponto alto de sua carreira até então, 2012 e 2013 dão a falsa impressão de que Demi Lovato estava estável - exceto, é claro, por seu cabelo. De Leona (Cobras e Lagartos) a todas as variações possíveis de cabelo colorido, Demi parecia descontar sua falta de tempo pra se moldar a uma nova personalidade em suas transformações capilares - o que é tipo, basicamente o maior dos gritos de socorro da mulher leonina. 

A falsa sensação de estabilidade vem de uma coisa muito simples: ela só não tinha tempo de se transformar em outra coisa. Foram duas temporadas de The X Factor, duas turnês, uma temporada de Glee, uma participação na trilha sonora de Frozen com Let It Go, uma performance na Casa Branca, um relacionamento escondido com Wilmer Valderrama (12 anos mais velho que ela) e um novo álbum. Não tinha mais tempo disponível pra continuar mantendo a fachada de Garota-Pop-Que-Está-Sóbria-Mas-Sempre-Em-Festas, 

Musicalmente, Demi continuou no pop - menos eletro e menos sintético, mas ainda pop. Não se enganem, Demi hoje vai tentar te fazer acreditar que foi sua própria equipe que tentou empurrá-la à uma persona pop star, com hits que tocam em rádios. Não. Demi na verdade incentivava e trabalhava pra ficar mainstream-mente famosa. Ela não só aceitava como requeria que sua produção musical fosse pop o suficiente pra seguir subindo nos charts - o que só resultou em hits, de fato, duas vezes: uma com Give Your Heart A Break (Unbroken) e outra com Heart Attack (DEMI). 

Foi a época em que Demi mais trabalhou pra virar o que ela queria virar - e note: o que ela queria, e não o que ela era. A receita pra fazer sucesso nunca foi quem Demi de fato era. Caso fosse, Demi hoje seria uma artista classe A assim como suas colegas de firma da época, Miley e Selena. 

Aqui parece não haver tantos problemas de conflito de identidade. Mais branda e mais controlada que sua versão anterior, essa Demi tinha muitos compromissos, muitos contratos e muito trabalho à fazer. No entanto, sua estética pareceu fluída nesse período de tempo, de certa forma. Demi abusa das coisas muito, muito rápido. Não só nas mudanças de cabelo, seu estilo pessoal foi uma incógnita ao decorrer desses dois anos. Nunca dava pra saber se Demi apareceria de vestido longo e salto alto, de calça preta e camiseta xadrez, de aplique no cabelo ou de cabeça raspada (aconteceu, várias vezes). Parecia que ela experimentava de tudo um pouco, do jeito que dava, só por estar entediada. 

O resultado não foi lá essas coisas, e sua inconstância de estilos dificultava o trabalho da mídia de colocava dentro de uma caixa só, com o propósito de atrair o público específico para tal. Talvez fosse esse o motivo pelo qual Demi seguiu em seu objetivo pessoal de sempre ser uma Demi diferente em cada nova aparição pública. 

Até que Demi cansou de mudar toda hora...

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No próximo bloco...

Fase Seis: Gênesis e a Verdadeira Estabilidade
Fase Sete: O Amadurecimento? 
Fase Oito: O Renascimento e o Decair
Fase Nove: Queer, Militante e Maconheira Assumide

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Tem tão mais a ser falado, tantas mais imagens e tantas outras nuances, que eu não posso simplesmente continuar falando e falando pra sempre - vai acabar meu espaço. Assim como Demi Lovato, esse texto foi feito para ter uma continuação (mas nunca uma conclusão).

Percebo que sigo uma certa fascinação com artistas que nasceram pra ser flop. O que é curioso, porque adivinhem como eu conheci nosso Ator Classe C Favorito, do post anterior? Adivinhem qual foi o primeiro contato que tive com ele, a primeira vez que o vi na vida? 


É, meus amigos... Quem amaldiçoou quem, é difícil saber. Mas nada mais fascinante do que pessoas com potencial com escolha errada atrás de escolha errada, uma perpétua alma de pobre. 

Pra me deixar entretida, você só tem que ser brega. 



Darren Criss em Hollywood, o que deu errado? Um dossiê sobre um eterno artista classe C


dc

POV: o ano é 2009 e você é um estudante da Universidade de Michigan. A notícia do momento é uma produção musical escrita, dirigida e produzida pelos alunos de Belas Artes. Um musical sobre o que? Harry Potter. A Very Potter Musical foi um projeto do grupo de teatro da Universidade eternizado ao ser upado, na íntegra, no Youtube. Em meados de 2010, fãs de Harry Potter (e, por que não?, de teatro musical em si) no mundo todo já conheciam a peça onde o Draco Malfoy (antagonista) roubava a cena, a ser interpretado por uma garota com um timing impecável pra comédia - e, é claro, a icônica música Granger Danger, dueto de Ron Weasley e Draco Malfoy descobrindo, juntos, seu amor por Hermione Granger. 

O sucesso foi grande (no mundo das interwebs), mas não o necessário pra trazer o estudante que interpretava o próprio Harry Potter ao estrelato - que não só atuou, mas também escreveu e compôs grande parte dos memoráveis momentos musicais apresentados. Mas tudo bem, porque nem seis meses depois do sucesso repentino da peça de teatro, nosso garoto de cabelo cacheado estaria gravando um vídeo de audição para outro projeto musical - um televisivo, dessa vez. O vídeo de audição eventualmente chegou nas mãos Dele, que hoje tem um império de programas televisivos ruins, o primeiro em seu nome a ser um escritor tão ruim que se consolidou como produtor: Ryan Murphy.

Nosso garoto de cabelo cacheado já não era mais conhecido por cantar Back to Hogwarts no violão, ou errar as falas do próprio musical que ajudou a escrever. Agora ele era uma mini, mini estrela em ascensão, cheio de possibilidades ao chegar em Hollywood recém saído da Universidade. Darren Criss agora era conhecido por Blaine Anderson, nosso gay adolescente favorito, eternizado por gravatas borboletas, muito gel no cabelo e, é claro, o principal romance gay da televisão entre 2010-2015: o casal Klaine (Kurt Hummel + Blaine Anderson). 

dc

Mas esse não é um texto sobre Glee, ou sequer sobre Klaine - que, convenhamos, confessem!, é a melhor parte de Glee. Esse texto provavelmente vai vir algum dia, porque a gente (eu) tem que debater sobre como algo pode começar tão bem e despencar ladeira abaixo tão rápido, mas que o decair é do homem (temporadas 4-5) e o levantar é de Deus (temporada 6, sem ironia). Mas hoje não. Hoje a gente vai falar só Dele - nossa estrelinha de cabelo cacheado, e sobre por que a estrelinha nunca nasceu de fato. Continua como um meteorito. Darren Criss podia ter sido um dos grandes, um marco - tinha o apoio, a plataforma, os conhecidos. O que deu errado?

Vamos pelo mais fácil. O que deu certo? Bem vindos à gloriosa award season de 2018/2019, os maiores anos da carreira do nosso DC: depois da estreia de The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story (produzida e assinada por quem? Ele mesmo), Darren era o menino dos olhos das críticas. No maior papel de sua carreira televisiva, ao interpretar o psicopata Andrew Cunanan, assassino de Gianni Versace, corroborando com a consolidação de Donatella como chefe da marca Versace, Darren Criss fez a limpa em todos os prêmios da temporada, faturando 1 Emmy, 1 Globo de Ouro, 1 Critic's Choice (e sermão da Lady Gaga na mesma noite), 1 Screen Actors Guild e 1 Satellite Award (sei nem o que é isso). 

Me lembro muito bem de acompanhar toda essa temporada de premiação incrédula e abobalhada de ver nosso menino sendo reconhecido! De vê-lo sentado entre os grandes! De estarem notando algo que eu sempre soube! Na noite do Emmy, pessoas ME parabenizaram. Pessoas me desejaram boa sorte. Era esse meu nível de comprometimento com o maior (e talvez único) ato de Darren Criss em Hollywood. Isso era significativo! Ele ganhou pro Benedict Cumberbatch! Ele cresceu, sabe que cresceu, e agora sim virará nossa estrela classe A! Com paparazzis seguindo na rua, participando de eventos relevantes, atuando em outros grandes papéis. E então...

dc

Nada. E então nada. 

No maior anticlímax da história das carreiras, Darren Criss voltou pro que sabia fazer de melhor: ser um artista classe C. E tudo bem, a gente gosta de artistas classe C: Rita Ora, que tem um nome conhecido mas não passa pra nada além disso. Kerline do BBB21, nossa subcelebridade favorita. Todo mundo tem um artista classe C de estimação. Mas o que houve, Darren? Entre conseguir um emprego na televisão meses depois de formado, ser apadrinhado pelo maior da televisão (Ryan Murphy é péssimo sozinho, mas é ótimo em apadrinhar pessoas, ver: Sarah Paulson), fazer arrastão nos mais importantes prêmios televisivos... É curioso, no mínimo. 

E é por isso que eu vou dar meus 10 trocados e discutir Motivos Pelo Qual Poderia Ser Mas Não Foi, uma pesquisa necessária - mas não séria. Definitivamente não séria. Por favor, não me levem a sério - (N/A: levem. sempre me levem a sério). 

1. Darren Criss não é LGBTQ+...

...para choque de todos. Tudo bem ter héteros no mundo, isso não seria um problema (seria), até você reparar que estabeleceu toda sua carreira em personagens LGBT. De Blaine Anderson (gay), a Andrew Cunanan (gay psicopata), a Hedwig (queer), Darren Criss ficou conhecido e estabelecido como um ícone gay - algo que não chegou a passar dos seus personagens. Darren foi obrigado a sair do armário várias vezes, não pra relevar que era LGBT, mas sim pra esclarecer que era um homem hétero. 

Vocês vão achar que eu estou exagerando sobre isso até eu pontuar aqui que ele realmente se pronunciou e comprometeu a não mais aceitar papéis LGBT para interpretar: "I want to make sure I won’t be another straight boy taking a gay man’s role", ele disse, depois de já ter tirado uns 4 e ganhar toda a fortuna dele até então em cima disso. 

Não quero entrar na discussão - na seriedade -, de ser aceitável ou não que um homem cis hétero interprete personagens LGBT. Deus me livre, já chega de coisas sérias, esse não é esse tipo de blog. Só quero escrever por diversão. Dito isso, meus dois neurônios concluem que Darren Criss seria tão mais celebrado por aí se ele fosse só... gay.

:p 

2. Darren Criss é brega (e a esposa dele também)

Eu nem sei se quero escrever sobre esse ponto, porque me dói a vista e vai arruinar a estética do meu blog. Mas por fora dos eventos de Hollywood, por fora dos Met Galas e festivais na Itália, Darren Criss é só mais um homem brega. 

Essa é a sala dele. 

dc

Tipo? Tem perdão? Não tem. 

Muito da breguice do Darren é o que eu mais gosto dele, na verdade. Me dói os olhos, mas me abraça o coração. Como assim... um homem com dinheiro e reconhecido pela crítica, mesmo que apenas uma vez... vive assim... damn bitch u live like this? Andando de regata, chinelos, chapéu de atlética e bermudas cor de rosa no centro de Los Angeles? 

Quando o Darren casou (não, gente, não foi com um homem! oooo já avisei!), nem meus maiores pesadelos me prepararam pro show de breguice que foi o encontro civil e matrimonial das duas mais bregas pessoas que já moraram no planeta Terra. A breguice da esposa do Darren, a Mia von Criss (começa por aí - ela atribuiu o sobrenome do marido ao nome artístico, Mia Von Glitz. Sim. Eu nem consigo inventar uma coisas dessas), chega a ser pior do que a dele mesmo - o que é uma maldição ou uma dádiva, depende do ângulo que você analisa.

Toda a dinâmica Mia & Darren é um prato cheio para estudos antropológicos. São tantas nuances espetaculares que aqui eu luto pra selecionar minhas favoritas. Uma vez uma amiga me disse que os dois passaram a vibe daqueles casais que você sabe que a mulher é a ativa - e que ela provavelmente tinha uma cinta strap pra usar com ele. Os dois são literalmente essa atmosfera. 

dc 

Eu vou deixar o link de uma matéria da Vogue com tudo que rolou no casamento dos dois, simplesmente porque não tenho espaço o suficiente pra destrinchar - e esse foi só um dos eventos. 

Mia e Darren também tem um piano bar juntos, o Tramp Stamp Granny’s em Los Angeles, diretamente inspirado no Marie’s Crisis Cafe de Nova York - um café/piano bar que grandes nomes da Broadway vão pra cantar showtunes com todo o público. A estética do bar da Mia e do Darren, no entanto, é ser trashy - segundo eles. Uma atmosfera bem casa de avó imoral que gosta de falar a palavra "priquito" porque acha engraçado. O bar já conseguiu reunir o elenco do finado Glee pra cantar Don't Stop Believing, com um Darren bêbado acompanhando no piano, sem saber as letras, uma vez que ele não cantou a música mais famosa da própria série. Não é uma ideia ruim pra bar - eu adoraria! Só é... brega. Assim como eles. É totalmente eles. 

3. Darren Criss lança músicas péssimas

Escuta. Pra alguém que foi responsável por Granger Danger (que eu não ironicamente amo), e responsável pela icônica versão de Teenage Dream acústica no piano, era de se esperar que Darren só trabalhasse com músicas incríveis. De novo: O QUE HOUVE?

Eu amo o Darren compositor. Amo de verdade. O EP Homework é um dos meus trabalhos favoritos. Depois disso, foi com Deus. Darren anunciou recentemente um projeto de lançamento de vários singles inspirados em personas, personagens que não são pra ser ele - mas é claro que são. Quem mais seria tão brega? 

A última música lançada, "i can't dance", eu escutei antes de começar a escrever esse post. O Spotify tava no replay automático, e eu fui obrigada a desligar, porque uma vez foi o suficiente. Não sei se quero passar por essa de novo. Pra mim, o melhor do Darren é o Darren simples. Músicas em que ele compõe sozinho no violão ou no piano (foi assim que nasceu a minha favorita, Words, nunca lançada mas sempre apreciada, que me obrigou a baixar um mp3 youtube converter igual uma neandertal), são o suprassumo do que ele tem pra oferecer em composição e melodia - e ele tem muito a oferecer. 

Além de muito carismático, o Darren é muito criativo: meu feito favorito dele segue sendo o Elsie Fest, um festival criado por ele pra ser uma versão minimizada de um Lollapalooza, só que com acts do teatro musical. Acontecia anualmente no Central Park, e ele é tão Classe C que o festival fazia pelos outros o que não conseguia fazer por ele: todo ano o Darren convidada pessoas que, de algum jeito, explodiam no ano seguinte. Darren levou a Olivia Rodrigo na última edição. Darren levou o cast de O Rei do Show antes do filme estrear. Darren panfletou Dear Evan Hansen antes do musical virar o que virou. Como nosso artista Classe C favorito, ele tem um feitiço que abraça a carreira de todo mundo - menos a dele própria. 

Mas, assim. O nome da minha cachorra é Elsie por causa do festival. Então algum feitiço ele tem, sim - pra mim. 

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Coisas que o Darren já fez que não tem perdão/que ninguém lembra:

  • Ser amigo da Lea Michele;
  • O episódio musical de Flash com Supergirl;
  • Uma participação especial na temporada de American Horror Story da Lady Gaga - por 4 segundos;
  • Uma série musical que absolutamente ninguém assiste (Royalties), mas que tem participação da antagonista da Olivia Rodrigo: Sabrina Carpenter;
  • LMDC Tour: uma turnê só ele e a Lea Michele;
  • Falar "it can happen, never say never" quando perguntado sobre um relacionamento com o Chris Colfer - e abrir o mar vermelho que foi o queerbaiting em cima do casal inexistente CrissColfer;
  • Cantar Skyscraper com Demi Lovato de microfone desligado;
  • Beijar o Chris Colfer ao vivo. DEIXE este pobre homem gay eM PAZ!!! 
  • Responder "who knows who I came out to as a straight man" quando perguntado sobre sua sexualidade - mais um grande marco da abertura dos portões pra uma carreira sustentada pelo queerbaiting e pink money;
  • Uma live com a Lea Michele;
  • Participar não uma vez, mas DUAS vezes, do podcast da Becca Tobin (a Kitty de Glee), que é a única pessoa do ramo que consegue ser tãoooo mais rebaixada que ele - uma completa Classe F;
  • Anunciar o próprio podcast com uma das irmãs Haim - provavelmente a que ninguém liga;
  • Ir num show da Taylor Swift e ficar na grade berrando como um fã que provavelmente seria escolhido pra uma Secret Session. 
  • Ter concordado em participar do episódio dos fantoches em Glee & ainda ter cantado What Does The Fox Say;
  • Não ensinar a Lea Michele a ler.
dc

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Falo tudo isso com amor, vocês sabem. 

Mal posso esperar pra novas notícias bregas da nossa subcelebridade favorita. Algumas mentes criativas são mais seguras sendo classe C e D. Classe A seria perigoso demais pra nossa estrelinha cheia de potencial, mas tão, tão peculiar. Personalidades assim oferecem muito mais entretenimento se nascem e morrem como subcelebs

Tem sempre espaço pra mais um nesse mundinho composto por mim & mais 4 gatos pingados (todas grandes amigas). 

E o melhor é que eu nem falei tudo. 

Ainda tem espaço pra parte II. 

Juliette, cultura de fandom e a incessante busca por uma heroína

 

De novo, Denise? Falando da Juliette de novo? Obcecada pela Juliette mais que os próprios cactos? 

Quer saber? Talvez. Talvez eu esteja admitindo aqui, de primeira mão, o meu claro interesse pelo assunto Juliette. Mas isso me faz especial? Dificilmente. No ano do BBB21, basta ter dados móveis pra ser puxado pro meio do redemoinho que virou a paraibana com chapéu de cangaço. A história da mulher que entrou como gente e saiu sendo marca. 

Não sou a pessoa mais qualificada da internet pra comentar ou recapitular a [jornada] da Juliette no Big Brother ("que jornada?", eu teria perguntado, em algum comentário nos últimos dias de programa). De perseguida a...? O que mais teve? O que mais aconteceu pra, no meio de grandes participantes do jogo, da mesma edição, a Juliette virar um fenômeno? 

Não foi uma conclusão só minha, mas foi na qual eu cheguei: Juliette foi ela mesma.  

Não se enganem, ser "você mesmo" num programa com câmeras que não desligam nunca não é um espectro ilimitado do exercício do ser - têm incontáveis estudos por aí que mostram que, ao estarmos cientes de que somos observados, a autenticidade genuína é quase impossível. Só de saber que está sendo gravado, você já se condiciona a reprimir comportamentos que não te valorizam e intensificar aqueles que o fazem. E tudo bem. Imagina que loucura seria ser você mesmo, sem filtros e sem ressalvas, por meses pra toda Rede Globo ver. Imagina andar só de calcinha e deitar de bunda pra cima pro Boninho ficar analisando na sala de direção (vocês não?). Mesmo com as ressalvas, os filtro e a falta deles, a Juliette chegou o mais perto que chegaria se fosse um quarta-feira de carnaval numa casa alugada com 12 amigos e mais 9 agregados. Quem diz isso não sou, mas a própria terapeuta dela: segundo Juliette, a psicóloga que a acompanhou por anos assistia o BBB com o prontuário na mão, dando um check em todos os pontos que ela analisou e previu que Juliette faria e falaria em diversas situações do programa. E ela acertou a grande maioria. (Façam terapia, é sério.)

Mas justifica? O que você precisa ser pra ganhar o amor - e fanatismo - de milhões (quase 30, pra ser mais específica)? Quem você precisa ser? Quais os atributos necessários, as características? O que o público tá esperando de alguém pra que, ao visualizar os requisitos, entregue toda uma devoção fervorosa pra quem nem conhece? E, cá pra nós, o mais importante: a Juliette tem tudo isso mesmo? 

Pelo histórico, vocês tão provavelmente esperando que esse seja minha diss track (diss post) pra Juliette. A Mariah Carey escrevendo Obsessed pro Eminem ("é o contrário!", vocês vão dizer), ou a Katy Perry mandando Swish Swish pra Taylor Swift. Sinto muito desapontar os hates no Curious Cat que estavam já escritos pra serem enviados, mas hoje não vai ser isso. Na verdade, desde que o Big Brother acabou, eu não senti nada além de solidariedade pela Juliette - muitas vezes até pena. 

Perguntar o que a Juliette tem de especial pra virar Jesus Cristo mulher dessa geração não é mais uma afronta pessoal à Juliette - até porque é meio f*da-se vocês ligarem tanto pro que eu penso sobre uma mulher milionária. Pergunto porque realmente tenho curiosidade de saber se vocês sequer refletiram sobre a Juliette ter ou não todos esses atributos - simplesmente porque vocês só decidiram que ela tinha. Eu sei o que é ser fã, eu sou fã de coisas desde que me entendo por gente, eu expresso minha personalidade sendo fã de coisas e pessoas. Mas essa obsessão por pessoas reais justificada em "ela é super verdadeira!", e ainda assim perpetuando uma cobrança de comportamento e pensamento que simplesmente não é e nunca foi o que o objeto da obsessão tem a oferecer, é doentio. Não, é literalmente doentio. Vocês adoeceram a Juliette. 

"Eu tenho dormido pouquíssimo. No dia em que consegui descansar melhor, foram cinco horas de sono. Nos outros, duas ou três, ou não dormi. Também não tenho conseguido me alimentar direito, por causa da ansiedade — detalha Ju, de 31 anos, que tem circulado na companhia de um segurança acostumado a proteger artistas: — Esta fase está sendo a mais crítica da minha carreira. Chique eu, né, falando em carreira? Além disso, o meu psicológico não está 100%. Comecei a ter problema de ansiedade no início da pandemia, mas não era algo patológico, a se tratar. Agora, está muito intenso, chego a me tremer toda. Tenho medo de tudo. Quando tem muita gente junta, temo que as pessoas se machuquem. Quando falo, temo machucar alguém. Tenho receio de usar uma palavra errada. Eu me assusto com o poder da minha opinião e as consequências dela." (Fonte)

Que a cultura de fandom é doida assim a gente já sabia, não precisa ir muito longe no Twitter pra saber. Mas vocês sequer balancearam, na cabeça de vocês, a diferença do endeusamento de uma pessoa pública, já treinada pra isso, pro endeusamento de uma pessoa "normal"? Eu nem consigo imaginar quão grande deve ser o choque de entrar como uma anônima e sair como alguém que precisa se esconder pra conseguir respirar. A própria Juliette fala sobre isso na entrevista com o Hugo Gloss, sobre como é injusto colocá-la num pódio que ela não se preparou e nem pediu pra estar. E se você reclama disso, você é mal agradecida. E se você abraça e celebra isso, você é oportunista. Ela já tá ciente de que nada que ela faça vai ser o suficiente, que nada que ela escolha vai agradar em totalidade o público que entregou pra ela o que ela tem hoje. E é por isso que é tão delicado: o público da Juliette - ela chama de cactos, eu chamo de máfia - sempre vai sentir que ela é uma subordinada. Que ela deve isso a eles. "Você não sabe o quanto a gente votou. A gente te deu um milhão, e você não vai aparecer nos stories pra dar oi?"

A cultura de fandom, com a Juliette, chegou em níveis impensáveis de controle e chantagem. Tenho pena dela, na maior parte do tempo. São +30 milhões de pessoas que se acham responsáveis pelo seu presente, e que querem pedaços de você de volta. Mas ela nunca prometeu esses pedaços pra vocês. Ao cobrar tanto a autenticidade que ela mostrava em confinamento, vocês a assustam tanto que o único resultado é uma Juliette retraída, mecânica, de roteiros. Mas isso não é literalmente o contrário do que vocês, cactos, tanto celebravam nela? Vocês cobram a autenticidade de volta, mas como, se nada é igual pra ela? Como, se ela tá ciente que o que vocês estão esperando que ela seja ela nem é de verdade? E um fandom obcecado tá pronto pra receber essa notícia? Claro que não. 

Os heróis brasileiro de fato morreram - de overdose, de tiro, de covid. E o Brasil, sempre o Brasil!, esse que é sempre tão passional quando é fã de algo, que se vangloria de cantar mais alto em todos os shows, que se orgulha da gritaria em aeroporto e de seus acampamentos de meses na frente de hotel e estádio. Esse Brasil tá sempre pronto pra encontrar um novo herói, sempre. Talvez porque a gente nunca teve um de verdade - exceto o Lula, que não morreu, mas foi preso. Esse povo que tanto sofre tá sempre atento pra uma nova figura imaculada, uma nova salvadora, uma nova pessoa que é superior e que vai curar onde dói. A Juliette ganhou o título de heroína que ela nunca quis ou procurou ter - e agora é ela mesma que sofre das consequências disso. Mas tudo bem, porque o Brasil agora tem uma namoradinha, uma mulher divertida, com classe, que sabe se colocar bem - ao mesmo tempo que oferece alívio cômico ao tropeçar em letras e trocar palavras no meio de discursos tão bem pensados. 

E como num relacionamento tóxico, se a namorada do Brasil não aparece pra dar bom dia nos stories, ela rapidamente se torna indigna, ingrata, controlada por toda uma equipe que provavelmente é culpada pelo seu sumiço - porque nunca que nossa Juliette estaria reclusa por escolha própria, por medo. 

Fã sempre vai tentar preencher um buraco com alguém que é só isso mesmo - alguém. Pessoas reais não preenchem buracos pessoais. 

A Juliette é uma pessoa normal. É engraçada como uma pessoa normal, mas também fala merda como uma pessoa normal (várias vezes eu fui pessoalmente atacada com coisas que ela falou sem pensar dentro da casa). É resiliente como uma pessoa normal, mas também quebra como uma pessoa normal. Quanto mais rápido o fandom culture compreender que pessoas são só pessoas - subjetivas pessoas, seres pensantes que erram todo dia e que sentem e que choram e que tem as mesmas 24h/por dia que todo mundo tem -, mais fácil vai ser pra todo mundo. 

E é por isso que nunca acaba essa busca por um herói ou heroína - aquela pessoa que vai salvar a gente, que vai tirar nossa tristeza, que vai ser tudo de bom concentrado numa pessoa só. Porque se tem um povo que sente a necessidade de ser salvo, esse povo é o brasileiro. É o que explica tamanha dedicação em louvar quem ousa oferecer um carinho mais genuíno, um abraço mais longo - quem ousa simplesmente ser. Mas é aquilo: calma Juliette, ele só foi educado.

Calma, Brasil. Ela só foi educada.