Juliette, cultura de fandom e a incessante busca por uma heroína

 

De novo, Denise? Falando da Juliette de novo? Obcecada pela Juliette mais que os próprios cactos? 

Quer saber? Talvez. Talvez eu esteja admitindo aqui, de primeira mão, o meu claro interesse pelo assunto Juliette. Mas isso me faz especial? Dificilmente. No ano do BBB21, basta ter dados móveis pra ser puxado pro meio do redemoinho que virou a paraibana com chapéu de cangaço. A história da mulher que entrou como gente e saiu sendo marca. 

Não sou a pessoa mais qualificada da internet pra comentar ou recapitular a [jornada] da Juliette no Big Brother ("que jornada?", eu teria perguntado, em algum comentário nos últimos dias de programa). De perseguida a...? O que mais teve? O que mais aconteceu pra, no meio de grandes participantes do jogo, da mesma edição, a Juliette virar um fenômeno? 

Não foi uma conclusão só minha, mas foi na qual eu cheguei: Juliette foi ela mesma.  

Não se enganem, ser "você mesmo" num programa com câmeras que não desligam nunca não é um espectro ilimitado do exercício do ser - têm incontáveis estudos por aí que mostram que, ao estarmos cientes de que somos observados, a autenticidade genuína é quase impossível. Só de saber que está sendo gravado, você já se condiciona a reprimir comportamentos que não te valorizam e intensificar aqueles que o fazem. E tudo bem. Imagina que loucura seria ser você mesmo, sem filtros e sem ressalvas, por meses pra toda Rede Globo ver. Imagina andar só de calcinha e deitar de bunda pra cima pro Boninho ficar analisando na sala de direção (vocês não?). Mesmo com as ressalvas, os filtro e a falta deles, a Juliette chegou o mais perto que chegaria se fosse um quarta-feira de carnaval numa casa alugada com 12 amigos e mais 9 agregados. Quem diz isso não sou, mas a própria terapeuta dela: segundo Juliette, a psicóloga que a acompanhou por anos assistia o BBB com o prontuário na mão, dando um check em todos os pontos que ela analisou e previu que Juliette faria e falaria em diversas situações do programa. E ela acertou a grande maioria. (Façam terapia, é sério.)

Mas justifica? O que você precisa ser pra ganhar o amor - e fanatismo - de milhões (quase 30, pra ser mais específica)? Quem você precisa ser? Quais os atributos necessários, as características? O que o público tá esperando de alguém pra que, ao visualizar os requisitos, entregue toda uma devoção fervorosa pra quem nem conhece? E, cá pra nós, o mais importante: a Juliette tem tudo isso mesmo? 

Pelo histórico, vocês tão provavelmente esperando que esse seja minha diss track (diss post) pra Juliette. A Mariah Carey escrevendo Obsessed pro Eminem ("é o contrário!", vocês vão dizer), ou a Katy Perry mandando Swish Swish pra Taylor Swift. Sinto muito desapontar os hates no Curious Cat que estavam já escritos pra serem enviados, mas hoje não vai ser isso. Na verdade, desde que o Big Brother acabou, eu não senti nada além de solidariedade pela Juliette - muitas vezes até pena. 

Perguntar o que a Juliette tem de especial pra virar Jesus Cristo mulher dessa geração não é mais uma afronta pessoal à Juliette - até porque é meio f*da-se vocês ligarem tanto pro que eu penso sobre uma mulher milionária. Pergunto porque realmente tenho curiosidade de saber se vocês sequer refletiram sobre a Juliette ter ou não todos esses atributos - simplesmente porque vocês só decidiram que ela tinha. Eu sei o que é ser fã, eu sou fã de coisas desde que me entendo por gente, eu expresso minha personalidade sendo fã de coisas e pessoas. Mas essa obsessão por pessoas reais justificada em "ela é super verdadeira!", e ainda assim perpetuando uma cobrança de comportamento e pensamento que simplesmente não é e nunca foi o que o objeto da obsessão tem a oferecer, é doentio. Não, é literalmente doentio. Vocês adoeceram a Juliette. 

"Eu tenho dormido pouquíssimo. No dia em que consegui descansar melhor, foram cinco horas de sono. Nos outros, duas ou três, ou não dormi. Também não tenho conseguido me alimentar direito, por causa da ansiedade — detalha Ju, de 31 anos, que tem circulado na companhia de um segurança acostumado a proteger artistas: — Esta fase está sendo a mais crítica da minha carreira. Chique eu, né, falando em carreira? Além disso, o meu psicológico não está 100%. Comecei a ter problema de ansiedade no início da pandemia, mas não era algo patológico, a se tratar. Agora, está muito intenso, chego a me tremer toda. Tenho medo de tudo. Quando tem muita gente junta, temo que as pessoas se machuquem. Quando falo, temo machucar alguém. Tenho receio de usar uma palavra errada. Eu me assusto com o poder da minha opinião e as consequências dela." (Fonte)

Que a cultura de fandom é doida assim a gente já sabia, não precisa ir muito longe no Twitter pra saber. Mas vocês sequer balancearam, na cabeça de vocês, a diferença do endeusamento de uma pessoa pública, já treinada pra isso, pro endeusamento de uma pessoa "normal"? Eu nem consigo imaginar quão grande deve ser o choque de entrar como uma anônima e sair como alguém que precisa se esconder pra conseguir respirar. A própria Juliette fala sobre isso na entrevista com o Hugo Gloss, sobre como é injusto colocá-la num pódio que ela não se preparou e nem pediu pra estar. E se você reclama disso, você é mal agradecida. E se você abraça e celebra isso, você é oportunista. Ela já tá ciente de que nada que ela faça vai ser o suficiente, que nada que ela escolha vai agradar em totalidade o público que entregou pra ela o que ela tem hoje. E é por isso que é tão delicado: o público da Juliette - ela chama de cactos, eu chamo de máfia - sempre vai sentir que ela é uma subordinada. Que ela deve isso a eles. "Você não sabe o quanto a gente votou. A gente te deu um milhão, e você não vai aparecer nos stories pra dar oi?"

A cultura de fandom, com a Juliette, chegou em níveis impensáveis de controle e chantagem. Tenho pena dela, na maior parte do tempo. São +30 milhões de pessoas que se acham responsáveis pelo seu presente, e que querem pedaços de você de volta. Mas ela nunca prometeu esses pedaços pra vocês. Ao cobrar tanto a autenticidade que ela mostrava em confinamento, vocês a assustam tanto que o único resultado é uma Juliette retraída, mecânica, de roteiros. Mas isso não é literalmente o contrário do que vocês, cactos, tanto celebravam nela? Vocês cobram a autenticidade de volta, mas como, se nada é igual pra ela? Como, se ela tá ciente que o que vocês estão esperando que ela seja ela nem é de verdade? E um fandom obcecado tá pronto pra receber essa notícia? Claro que não. 

Os heróis brasileiro de fato morreram - de overdose, de tiro, de covid. E o Brasil, sempre o Brasil!, esse que é sempre tão passional quando é fã de algo, que se vangloria de cantar mais alto em todos os shows, que se orgulha da gritaria em aeroporto e de seus acampamentos de meses na frente de hotel e estádio. Esse Brasil tá sempre pronto pra encontrar um novo herói, sempre. Talvez porque a gente nunca teve um de verdade - exceto o Lula, que não morreu, mas foi preso. Esse povo que tanto sofre tá sempre atento pra uma nova figura imaculada, uma nova salvadora, uma nova pessoa que é superior e que vai curar onde dói. A Juliette ganhou o título de heroína que ela nunca quis ou procurou ter - e agora é ela mesma que sofre das consequências disso. Mas tudo bem, porque o Brasil agora tem uma namoradinha, uma mulher divertida, com classe, que sabe se colocar bem - ao mesmo tempo que oferece alívio cômico ao tropeçar em letras e trocar palavras no meio de discursos tão bem pensados. 

E como num relacionamento tóxico, se a namorada do Brasil não aparece pra dar bom dia nos stories, ela rapidamente se torna indigna, ingrata, controlada por toda uma equipe que provavelmente é culpada pelo seu sumiço - porque nunca que nossa Juliette estaria reclusa por escolha própria, por medo. 

Fã sempre vai tentar preencher um buraco com alguém que é só isso mesmo - alguém. Pessoas reais não preenchem buracos pessoais. 

A Juliette é uma pessoa normal. É engraçada como uma pessoa normal, mas também fala merda como uma pessoa normal (várias vezes eu fui pessoalmente atacada com coisas que ela falou sem pensar dentro da casa). É resiliente como uma pessoa normal, mas também quebra como uma pessoa normal. Quanto mais rápido o fandom culture compreender que pessoas são só pessoas - subjetivas pessoas, seres pensantes que erram todo dia e que sentem e que choram e que tem as mesmas 24h/por dia que todo mundo tem -, mais fácil vai ser pra todo mundo. 

E é por isso que nunca acaba essa busca por um herói ou heroína - aquela pessoa que vai salvar a gente, que vai tirar nossa tristeza, que vai ser tudo de bom concentrado numa pessoa só. Porque se tem um povo que sente a necessidade de ser salvo, esse povo é o brasileiro. É o que explica tamanha dedicação em louvar quem ousa oferecer um carinho mais genuíno, um abraço mais longo - quem ousa simplesmente ser. Mas é aquilo: calma Juliette, ele só foi educado.

Calma, Brasil. Ela só foi educada.