Imaginem Legalmente Loira - só que a protagonista é ruiva e não entrou em Harvard


Hoje, sexta-feira, encerrando a semana, eu acordei tarde.

Meu despertador já fica devidamente marcado pra tocar exatamente às 7:30 durante todos os 5 dias comerciais, sendo o horário de sábado decidido na sexta à noite quando a resposta sobre ter aula ou não já é definitiva, e o domingo sem alarme nenhum - porque domingos não foram feitos para serem iniciados com alarmes. Mas de segunda a sexta é sempre a mesma coisa, e o hábito de enrolar pra levantar fica variando por ser dependente do nível de cansaço e do horário em que resolvi deitar na noite anterior. O fato é que antes das 8 da manhã eu sempre estou com meu banho tomado e com minha xícara de café prontinha pra ser feita.

Hoje, 25/05, numa sexta-feira comum e de expediente normal, sem ocasião especial ou feriado marcado no calendário, acordei às 8, levantei às 8:30 e tomei meu café às 9. Me pareceu sensato, já que todos os meus trabalhos para hoje eram fora do escritório, num ciclo que envolvia dirigir pela cidade (com dor no coração, pois: gasolina 5 reais) e falar com servidores públicos pra agilizarem ou me informarem sobre processo tal. Hoje não era um dia de atividades mecânicas e formatação de petições já feitas, com o barulho das teclas de quatro notebooks numa mesma sala se mostrando mais alto do que as vozes de seus usuários; muito menos um dia para sentir o cheiro de café preto no advogado ao lado, impregnando no terno e na gravata, e me deixando com mais vontade ainda de responder "sim Bruna, aceito, com açúcar, obrigada" sempre que a secretária entra na sala perguntando "alguém aceita café?". Eu não fui obrigada a seguir o mecanismo e a mesmice atrelada à escritórios hoje, então me pareceu sábio demais simplesmente não começar meu dia com uma rotina já pre-estabelecida. Hoje era dia de ouvir o alarme, desligar, e dormir por mais meia hora.

Existe uma sensação muito boa em fazer seus próprios horários e não necessariamente ter que bater ponto em lugar x no horário y pra provar sua efetividade como funcionário. Infelizmente continuo sendo escrava do capitalismo, o que significa que ainda sou completamente subordinada aos meus superiores e tenho que justificar caso eu não chegue às 8:30, mas existem dias - dias sorteados - em que essa não é minha realidade. Hoje, entre imprevistos e esclarecimentos - com servidores públicos que tiram a fama que todos os outros tem de serem mal educados -, vagas de estacionamento perdidas e 3 sinais verdes seguidos, me encontrei com todas minhas obrigações resolvidas (na medida do possível - a gente também não pode ter tudo) e com tudo em ordem antes mesmo do final do expediente.

Talvez tenha sido os tais dos 3 sinais seguidos que estavam abertos em uma das piores avenidas da cidade; talvez tenha sido a playlist no carro que aproximadamente a cada 3 minutos tocava uma música que eu nunca tinha ouvido antes, porque alguém tinha colocado na minha playlist colaborativa como indicação (spoiler: eu amei absolutamente todas!); ou talvez tenha sido a paciência daquele senhor de uns 70 anos ao tentar me explicar o que eu não conseguia entender no processo físico em minhas mãos (que porra é Ato Ordinário e porque ele tá datado de 2016 se a gente tá em 2018?) ou até o menino de uns 4 anos que mora no meu prédio, que ao esbarrar comigo no elevador me cumprimentou e ao sair falou "tchau, moça". Definitivamente não foi a STRANS e a demora em que levaram pra me atender lá, ou a cólica que a TPM da vez tá me dando. Mas pode ter sido a Justiça Federal e a estrutura de seu prédio, que tem um auditório em formado de oca, coisa que eu achava interessantíssima quando era criança e passava na frente, tentando entender o que era aquilo ao olhar pela janela no banco de trás em um dos antigos carros da minha mãe. Hoje eu não era mais a menina que espiava pela janela e perguntava o que era aquele prédio engraçado. Hoje eu era uma das pessoas que entravam ali dentro pra de fato realizar um trabalho. Aquilo não me atingiu na hora - nem hoje e nem na primeira vez que entrei lá, achando graça demais no adesivo que eles dão com o nome "visitante" pra gente poder entrar - mas, meu Deus, como atinge agora.

Nas últimas semanas eu venho sendo completamente assombrada por aquele quote clichê (o que não tira sua intensidade) que todo internauta já leu: lembre-se de quando você queria aquilo que tem hoje. De fato, eu tenho inúmeras conquistas e coisas materiais que sempre quis e sempre fantasiei, mas quando elas chegaram não pareceu tão significativo ou pesado como o sentimento que essa frase me trás. Acho que o problema é a gente sempre constantemente querer algo, e querer algo é um processo muito fácil de te fazer esquecer o que você já tem. Tipo comprar sapato: esses dias eu quase comprei um tênis branco porque esqueci que já tinha comprado um, que inclusive nunca usei. Problemas de primeiro mundo, mas me diz se a reflexão não é válida?

Eu nunca quis estar onde eu estou hoje; não era um sonho meu ser uma estudante de direito de quinto período, com uma rotina estabelecida de trabalho e estudo, podendo ir e vir num prédio tão intocável quanto o da Justiça Federal, sabendo a diferença entre as varas do Tribunal do Trabalho. Tirando as poucas ocasiões em que eu brincava de mexer em papéis, assinar todos rapidamente e digitar de mentira no teclado antigo e encardido do computador que ainda tinha CPU - numa vibe meio: criança que quer ser a Donna de Suits, caso a Donna existisse naquela época -, não consigo lembrar um momento da minha vida sequer em que eu tenha desejado ou esperado por esse momento da rotina feita, do click do mouse e da permissão para representar grandes nomes em órgãos judiciais. Mas eu sempre quis o carro, a independência, o dinheiro próprio e a sabedoria de sair onde ir, como falar e como me virar sozinha. E a gente já debateu sobre como me sinto sobre os meios que eu não necessariamente queria, mas que aceito os fins.


Talvez tenha sido estar lá e pensar em tudo isso - em 5 segundos, com os pensamentos correndo como um flash, totalmente diferente da minha tentativa de racionalizar tais segundos aqui -, ou talvez até não tenha sido nada, mas hoje, num dia livre de rotina, num dia que eu só decidi como e o que fazer ao abrir os olhos, num dia em que eu tomei meu café no horário em que eu já deveria ter saído de casa, no dia dos sinais abertos e crianças fofas e idosos atenciosos: eu senti paz. Literalmente.

O prédio da Justiça Federal é engraçado, e enorme, e me intrigava bastante quando eu era criança, mas hoje posso dizer que a melhor parte de toda a construção e arquitetura por trás foi a ideia natureba da parte de fora, com bancos pra sentar, fontes pra observar e tanto verde que eu sinceramente achei que tinha sido transportada pro Parque do Ibirapuera em São Paulo. Não me lembrava em nada a parte interna, que tirou 30 minutos do meu dia, com luzes artificiais e ar condicionado gelado demais, muitas expressões sérias e muitos ternos - também como uma cena de Suits, só que com menos beleza por parte dos advogados. Terminar meus afazeres mais cedo foi uma boa ideia, porque não necessariamente eu tinha que voltar ao escritório, ao mesmo tempo que não teria que ir para casa - a aula no período da tarde tinha acabado de ser oficialmente cancelada. Tá aí, talvez tenha sido a aula cancelada também.

Eu saí do prédio, e algo lá fora me fez ficar onde eu estava. O vento era digno de ambiente litorâneo, só que sem o sal do mar e a areia, ou seja: infinitamente melhor. O clima era tão agradável que se eu tivesse de jaqueta de couro eu não teria derramado uma gota de suor pela testa, eu garanto - e isso realmente tem significado quando você é do Piauí. Resolvi sentar em um dos bancos desocupados ali, só pra ficar olhando pro nada - pro nada e pras pessoas passando, ocupadas demais num telefonema ou numa conversa pra me reparar ali, sem fazer nada. Contei 3 entregadores de almoço chegando, 4 advogados de terno, 4 mulheres, e uma em específico com o cabelo tão vermelho vivo que a Roberta de RBD ficaria com inveja. Nunca pensei que encontraria a paz no meio do prédio da Justiça Federal, com o cabelo mais esvoaçante do que um clipe pop de alto orçamento bancando ventiladores gigantescos pra trazer o glamour; num balanço perfeito entre o calor e o frio, observando gente ocupada demais pra me observar de volta. Sem trabalho pra fazer até segunda, sem aula pra assistir, ainda com n problemas mas nenhum deles se fazendo presente naquele momento. Ali era só eu, a natureza e meus pensamentos, e tava tudo bem.

Lembro de me sentir tão energizada e purificada que a única reação que eu tive foi pegar o celular pra enviar uma mensagem dizendo "caramba, tô sentindo tudo isso do mais absoluto nada e no lugar mais improvável e sentei aqui só pra sentir e tá tudo ótimo e eu te amo", simplesmente porque eu sabia que podia mandar uma mensagem daquelas pra tal pessoa e não me sentir completamente aleatória. Porque ela entenderia meu momento. Até agora não vi a resposta que me foi dada, só não queria deixar de compartilhar com alguém, porque não parecia real. Mas foi. E o fato de que eu tinha alguém que sentia poder compartilhar só me deixou mais satisfeita ainda.

Foi uma das experiências mais espirituais que eu tive. E pra quem frequentou a igreja a vida toda, isso diz muito.

Não sei o que meu eu de 5 anos diria se eu contasse que hoje tive um momento [meme do cérebro] no meio do prédio que ela achava engraçado. Mas eu também não sei o que ela diria sobre hoje eu ser uma daquelas pessoas que resolvem problemas alheios ali dentro, mesmo sem ideia nenhuma de como resolver os próprios problemas em casa.

Talvez ela me olhasse sem entender nada, porque adultos são pessoas chatas de histórias entediantes, e brincar no balanço da escola é mil vezes mais legal. Talvez, só talvez, ela ficasse feliz, em saber que o eu do futuro chegou onde ela nem imaginou que chegaria.


***

Me corrijam se eu estiver errada, mas acho que meu recorde pessoal são duas letters em 10 dias - e isso me dá quase tanta felicidade do que olhar pro céu hoje. O ato de escrever está lentamente caminhando pra virar meu maior companheiro de novo, e é tão bom saber que eu pertenço em algum lugar ou em alguma coisa. Pertencer na escrita é um título que me orgulho de ter.

Esses últimos dias, uma coisa que tem me animado muito também é conhecer músicas novas de gente que nunca me apeteceu parar pra ouvir - e foi por isso que saí coletando todas as indicações possíveis pra preencher a já citada playlist de recomendações. Aqui a gente abre um espaço pra vocês responderem com outras indicações, ao mesmo tempo que eu declaro um cantinho novo permanente pra trocarmos conhecimentos e gostos musicais. Nada tá de fora, tudo pode entrar.

Eu nunca tinha pensado em The National, nem sabia que eles estavam no Lolla, mas comecei a ouvir e sinto que ilustra muito bem o sentimento que tive hoje. Principalmente se for Gospel, do álbum Boxer, com a melancolia do violão com o piano e o sentimento de ter mais por aí do que o que a gente espera ou imagina. Também ando completamente obcecada em Rex Orange County, porque a batida é legal e as letras são mais ainda (eu sempre começo a rir porque parece muito algo que eu escreveria e, já que não escrevi, algo que fala por mim). Television/So Far So Good é o exemplo mais perfeito que eu posso dar. Felizmente vai ter Denise ouvindo The Maine (por culpa da Babs) e imaginando Misery tocando na cena triste do meu filme pessoal, onde eu ando pelas ruas de NYC cabisbaixa com algo que deu errado entre mim e o personagem principal. Vai ter Xtina e Demi Lovato jogando falsete da Melody nas minhas indicações sim, porque também de pop farofa viverá o homem - mas, sinceramente, eu falaria de Fall In Line de qualquer forma, porque é uma música que me dá vontade de berrar junto, mesmo que eu não saiba fazer belting como elas. O bônus é que eu escreveria a letra dessa música inteira numa carta pra minha irmã mais nova. E o álbum novo inteiro do Shawn Mendes. Mas aí já é outra letter.

Também parei, finalmente, pra ouvir o Original Broadway Cast Recording de Legally Blonde, musical esse que é tão bom quanto o filme (a não ser que você goste de comédia misturada com números musicais, nesse caso o musical pode ser até melhor). Elle Woods - que tanto me inspira com terninhos e canetas de pompom rosa dentro de um tribunal, e que provavelmente me inspirou mais nessa newsletter do que eu queira demonstrar - cantando tanto sobre amor quanto sobre a dificuldade que é faculdade de Direito. Não sei se tem algo mais eu.


Por mais dias olhando pro céu com vento na cara, com música boa pra ouvir e com sensação de que tudo está bem. A vida não é a Elle Woods entrando em Harvard por privilégio e determinação, mas a gente consegue achar a mesma satisfação sentada num banco em alguns minutos.

Pela liberdade de assinar documentos jurídicos com caneta rosa em gel e glitter!


até a próxima,
deni out. 🌻