Tratamentos psicológicos e o que (não) esperar dele
Uma coisa que não te falam sobre finalmente tratar seus próprios demônios e ficar melhor é que você não fica melhor pra sempre.
Já tem quase um ano que um comprimido cor de rosa e um copo d'água fazem parte da minha rotina noturna, sendo uma das últimas coisas programadas a fazer antes de desligar a luz pra dormir. Hoje em dia esse comprimido me afeta em 0 coisas (além das que ele necessariamente precisa afetar; ex: produção de serotonina no meu cérebro. biologia. outro assunto.) e não me atrapalha em absolutamente nada - pelo contrário. Mesmo com a demonização de medicação e psiquiatra, eu devo minha vida à esse combo, uma vez que eu definitivamente não sei se estaria aqui escrevendo se essa intervenção em forma de droga tivesse demorado mais algumas semanas.
Então eu fiz minha parte, me consultei, me tratei, não fiquei dependente de nada, melhorei, e hoje consigo sentir que felicidade existe sim, já que antes isso era só uma palavra inventada que eu nunca sentia o verdadeiro significado. Literalmente o processo dos sonhos pra qualquer um que tenha que lidar com problemas psicológicos. Tudo bem feito, tudo nos conformes. E agora?
No meio de tanta discussão sobre problemas psicológicos, e tentativas (falhas e efetivas) de conscientização, é raro encontrar alguém debatendo o depois. A ideia que eu tenho é que vende-se um pensamento que, uma vez procurando ajuda e recebendo o devido tratamento, você tá completamente livre de qualquer outra crise ou desconforto porque tua mente alcançou o nirvana. Isso não existe (a situação -- o norvana existe sim, inclusive conseguiu unir todas as tribos).
Eu queria que a gente também debatesse o depois. Depois esse que nem é depois, é durante. Pra mim, tratamento não tem fim. Principalmente os tratamentos que servem pra algo que tá dentro de você. Tira a medicação, tem alta da terapia, mas sua mente fica - e meus amigos, se nossa mente não for a fonte de quase todos os problemas que a gente tem que lidar diariamente, eu definitivamente não sei o que é. O tratamento psicológico e psiquiátrico tem fim sim, o que é ótimo; eu nem imagino a alegria (e talvez desespero também) que deve dar quando um profissional desses olha pra ti e diz "sua cabecinha já tá no lugar, pode ir". Acontece que a mente é traiçoeira, e as ocasiões da vida são imprevisíveis, então se tem uma coisa que não finda é nossa constante preocupação com o que a gente pensa e em como a gente reage às coisas. Não é só consertar como se fosse um objeto quebrado que, depois de duas chaves de fenda e um prego bem seguro, não quebra mais. A gente não é objeto. E a gente precisa de conserto constantemente.
Se algum dia minha terapeuta (hipoteticamente falando, já que estou sem uma no momento, graças à VIDA que não me dá tempo pra tratar de mim mesma) me desse alta porque ela acha que meus problemas com ansiedade estão sob controle, nada me garante que eu não teria vontade de voltar quando meus problemas com meu corpo aparecessem. Infelizmente a gente não tem uma cura ou uma vacina que instantaneamente te deixa protegido de uma crise - e não é como se o governo estivesse oferecendo sessões de terapia e consultas gratuitas ao psiquiatra do mesmo modo que ela divulgou e espalhou vacinhas para H1N1. Percebe?
O que eu queria ter tido consciência antes de começar o meu tratamento é que, além de focar e esperar muito pelo dia que eu conseguiria dar uma risada genuína e me sentir como um ser humano novamente, não era só nisso que eu deveria esperar. Se eu tivesse a consciência prévia que não era tão simples como tratar uma sinusite com remédio, eu teria me prevenido pras crises que surgiram do nada, mesmo com medicação e um bom estado de espírito. Eu teria entendido a vontade de me isolar de tudo e todos como algo inevitável (em algum ponto e em certos níveis) e não no desespero de achar que eu estava ficando mal de novo. Eu talvez tivesse ligado melhor com crises de choro e com pensamentos degradantes que minha cabeça tomou como certa. Eu provavelmente teria tido consciência de que tratamento nenhum te deixa imune a nenhuma dessas coisas.
Eu consigo racionalizar e entender que tratamento não é algo pra não te fazer sentir - é pra te fazer sentir e te ensinar e ajudar a lidar com esse sentimento. Mas a visão cega que eu tinha e o que eu sempre vi sendo vendido era que um remédio e uma terapia iam melhorar minha vida em 100% e que as possíveis crises que eu poderia ter seriam só as crises normais de adversidades da vida, daqueles meio "que merda de dia na universidade" ou "meu chefe me tratou mal, que lixo". Coisas que passam em questão de horas quando você consegue largar delas. Mas não tem isso de largar nada numa mente obsessiva. A única coisa que mente obsessiva de fato larga é da racionalização das coisas, e isso é o que mais me afeta durante uma crise. Esse sentimento de impotência e de ter certeza que vai ficar mal de novo e de achar que, caso isso aconteça, dessa vez você não vai mais conseguir sair de lá.
Eu não posso e nem vou falar pra ninguém que, depois de diagnosticada e tratada, eu não tive pensamentos ruins em relação a mim mesma, nem que eu vez ou outra enxerguei de novo um mundo que seria muito melhor sem minha presença nele, ou que eu não passei noites em claro ansiosa por algo ou preocupada que pessoa x me odiava e pessoa y não tava me tratando bem e eu não sabia o motivo. Essas coisas não vão sair de mim, até porque eu passei a minha vida toda dando atenção a elas, e isso meio que molda um pensamento que nunca foi teu pra algo comum na tua cabeça. No sábado anterior ao dia das mães eu tive uma crise horrível, daquelas bem novela de ter alguém falando contigo e tu responder aos prantos, sem conseguir completar uma frase porque tá soluçando demais. Isso já foi comum pra mim, mas hoje em dia não é mais. Hoje em dia, quando acontece, parece que eu tô voltando à estaca zero e eu fico mais desesperada ainda porque eu não sei o que aconteceria caso fosse esse o caso.
Nessa crise em questão, minha mãe me falou algo que guardei comigo. Depois de me dar um copo d'água, porque ela é um anjo, ela segurou minhas mãos e me disse "se refaça". Eu sei que esse "se refaça" era sobre minha cara, com maquiagem estragada e pontos vermelhos vivos típicos de quando eu choro demais. Mas lá no fundo, pra mim, esse "se refaça" serviu pra todos os pontos da minha vida. Eu tenho que constantemente me refazer, de novo e de novo, pra conseguir lidar com minha própria cabeça. Tenho que me forçar a mudar de ideia quando a vontade de isolamento é muito grande, porque eu sei que esse não é o caminho. Me refaço todas as vezes que quero me distanciar de alguém porque sinto que algo simplesmente não tá certo mas consigo falar com ela sobre isso. Me refaço na universidade quando finalmente pego um livro pra estudar, ou quando consigo chegar no estágio após um dia completamente fora das minhas crenças morais e sociais e ainda sim realizar meu trabalho do jeito que querem que eu o realize.
Ter um problema e ter que constantemente lidar com esse problema é estar dentro de um ciclo de "se refaça". É ter uma crise sabendo que não gostaria de estar nela, mas já que estamos, qual a melhor forma de lidar com isso? É se sentir mal por n motivos e não repetir o mesmo caminho do passado, porque você sabe onde isso te levou. Demora um pouco - God knows que, na hora de uma crise, você não consegue enxergar mais nada além daquilo e que, por alguns segundos, tua vida e todas as perspectivas pra ela simplesmente não existem mais. Mas a vida continua mesmo quando a gente não quer, e é nesse momento mesmo, naquele entre enxugar as lágrimas e respirar fundo, que a gente pode ter um momento de luz pra conseguir ver além da nuvem negra e falar: Me refaço.
Talvez o que eu achei que estava dando errado no meu tratamento esteja dando muito certo, sim.
Meu problema com racionalizar as coisas é que eu acho que não consigo de fato fazer isso até que eu escreva sobre. Dito isso, eu só acho minha inspiração pra escrever na dor e na frustração. Peço desculpas (não pedindo, porque sou completamente unapologetic about it - acho que toda arte vinda da dor é palpável e não precisa pedir licença) pelo assunto recorrente.
Enquanto eu não consigo achar outra maneira de colocar pra fora (ou outra terapeuta - é sério isso, mandem contatinhos não de namoro mas sim de profissionais especializados numa abordagem que não seja a humanista), tamo aqui. Já faz um tempo, mas aqui é minha casinha emocional, construída dentro dos e-mails de vocês, então uma hora ou outra eu sempre volto.
P.S.: meu chefe saiu por alguns minutos e eu literalmente cuspi esse texto. Não quero revisar pra não meter minha visão crítica em cima e querer mudar tudo num tempo que eu não tô tendo etc etc etc vocês entendem porque a gente já "conversou" sobre isso. Passem por cima dos meus erros - do texto e da vida -, porque eles não são propositais.
P.S.2.: eu só gosto muito de Nemo mesmo.
até a próxima,