Archive for 2018

Sobre ser medíocre em coisas que amo


Eu não consigo ser boa em nada que de fato me importa.

Nada me dói mais do que saber que eu tenho tanto a oferecer, que eu poderia ser tão mais, mas simplesmente não saber como. É o sentimento de abrir uma página e querer vomitar todos os pensamentos que claramente estão ali, mas que não sabem como sair. Pra ser completamente sincera, minha vida parece uma coletânea de páginas e mais páginas abertas no Word, com o contador do número de palavras marcando zero, formado incontáveis capítulos sem conteúdo nenhum, sem nada a oferecer.

Não sei em que ponto da minha formação eu coloquei na cabeça que não bastava ser uma simples admiradora ou que eu não podia só olhar de longe - eu precisava me incluir. Eu precisava me expressar nas formas que eu gostava de ver as coisas sendo expressadas. Minha maior desilusão foi perceber que eu não era boa fazendo isso, em forma nenhuma.

A arte na minha vida sempre foi um divisor de águas muito grande. Era tudo que eu tinha quando criança, desde pequena sempre a mais sujeita à ficar sozinha. Era minha base de estudo quando adolescente, foi o que moldou todos os meus gostos e desejos e o que sempre aumentava minha vontade de conhecer mais e achar que esse mais ainda não era o suficiente. Até então, já era o suficiente pra mim assistir, acompanhar e explorar de longe. Algo mudou ao decorrer desses anos todos, algo que não deixava mais isso funcionar como sempre veio funcionando. Faltava algo - algo que precisava ser feito, não visto. Eu queria produzir e não mais ser apenas a consumidora do produzido.

Tentei me achar de tantas formas que é até vergonhoso listar. A coisa mais dolorosa do mundo, pra mim, é ter consciência de tudo que já tentei começar e concluir que não consegui nada. Esporadicamente algo finaliza ok. Esporadicamente algo que eu fiz, pra minha surpresa, toca alguém. Não é sempre, e eu não me iludo prendendo-me a esses pequenos momentos, porque minha balança sempre vai pesar muito mais pro lado que não deu certo. O que quase deu certo. O que teria dado certo caso eu fosse outra pessoa, ou estivesse em outro momento, ou tivesse outra oportunidade.

Já falei algumas vezes sobre não ser boa nem ruim, só mediana. É algo que eu tomo como verdade, e não seria tão difícil de aceitar de maneira tranquila se eu não fosse eu. No final das contas, tudo se resume nisso: sou eu sendo eu. Ser eu significa sempre querer ser algo a mais, sempre almejar pro mais alto e construir expectativas próprias que jamais seriam alcançadas. Sempre sonhei grande demais pra ações muito pequenas. Foram muitas ideias incríveis mas porcamente realizadas - ou nem isso. Muita vontade de ser algo grandioso mas pouca força de vontade para tal. 

Foram muitos choros desesperados gritando comigo mesma na frustração de não entender porque eu amo tanto e não sou boa em nada daquilo que amo. De sentir demais e não deixar transparecer esse sentir das formas que realmente me importam. Horas e horas seguidas de comparações, me perguntando porque as coisas não eram simples pra mim como era para outros e porque as oportunidades e elogios não caiam no meu prato. E eu nem tenho um prato. O prato que eu tenho é na verdade uma bandeja, servida de textos acadêmicos e doutrinas e legislações que nada tem a ver com o que eu de fato queria estar produzindo. Olhar pra isso e notar que minha realidade é totalmente diferente do que eu passei a vida inteira planejando, mesmo sem rumo, é a pior parte. 

Não é como se eu estivesse implorando por atenção ou pedindo pelo amor de Deus que valorizem meu trabalho. É sobre simplesmente desejar que existisse um trabalho. Que me importasse. Que fosse além de petições genéricas e nome de reclamante contra nome de reclamado. Que fosse sobre fazer algo que vem do sentimento, e que parte pra outro sentimento, e que pode tocar outras pessoas em sentimentos totalmente diferentes do inicial. É um processo muito difícil aceitar que o que você faz de melhor é o genérico que funciona na rotina do escritório que cheira a café e que tem todos os dias iguais entre si - e que o que você realmente gostaria de estar fazendo talvez não seja pra você. 

Sair dessa bolha da mania de fuga, de querer ser outra pessoa com outros talentos e outras oportunidades, é um processo difícil. Não é fácil colocar em perspectiva, pela primeira vez na vida adulta, o que é pra você e o que não é, o que funciona e não funciona. Ver que as respostas são totalmente diferentes daquelas que você tomou como verdade te faz repensar todos os questionamentos que você mesma criou. 

A ideia do que seria talento é uma coisa engraçada. Alguns dizem que se nasce com ele, outros falam que é puro processo e aprendizagem. Nesse meu tempo de vida eu não consegui desenvolver em nenhuma das duas formas, então talvez simplesmente não seja pra mim. Não esse, não do jeito que eu queria que fosse. E nós (como diria Elis Regina: que somos jovens) temos um problema sério em não saber lidar com as situações quando descobrimos que elas não estão seguindo do jeito que pensamos que elas seguiriam. Mas tá tudo bem. Tá tudo bem aceitar isso e se procurar em outro lugar, começar de novo e definir outras prioridades - só é outro longo, tumultuado processo. Mas tá tudo bem. Se eu repetir mais uma vez, talvez eu e você consigamos acreditar nisso.

O que eu sei (ou espero) é que tem mais coisa nesse mundo afora. Admiro tanto todo mundo que já se descobriu. Mas ainda choro ao pensar que as certezas que eu tinha sobre o que era certo pra mim já não existem mais. Talvez seja a mesma história da felicidade: é sobre o processo, o caminho, e não sobre um lugar para se chegar. Não é o que dizem? A gente só precisa descobrir antes qual realmente é o nosso caminho.

Sigo na procura do processo.

 




 



Nota, de mim pra mim mesma, com palavras que eu gostaria de ouvir numa atitude dramática de ser meu próprio Sebastian: tá tudo bem ser uma dessas pessoas. Que tem sonhos gigantes e de repente percebe que simplesmente são gigantes demais pra alguém tão pequeno quanto você. Tá tudo bem mesmo. As coisas se dão de maneiras diferentes. O que nos espera ou o que nos convém nem sempre podem ou devem ser nossos sonhos mais doidos. Se fosse fácil assim, a gente não chamaria de sonho. Só não esqueça de sonhar. Ainda pode ser algo seu. Ainda pode ser algo que funciona pra você, mas não do jeito que você quer que seja.

Mas ainda é seu. 

 


 
com amor - e dor. mas sempre com amor,
d🌻 

O mundo é vasto e eu quero criar memórias

Desde o dia que saí da maternidade até por volta dos meus 9, 10 anos de idade, eu tinha uma casa. Não simplesmente uma casa, uma casa, daquelas que tem mais história que cômodos e mais lembranças que espaço. Quando minha avó morreu e a casa pareceu grande demais pra só (naquela época) uma mulher e uma menina, o processo todo de mudança não me pareceu tão importante. Estava mais preocupada em saber se nos possíveis apartamentos que agora eu moraria tinha piscina e/ou playground, e se meu quarto ia ser grande o suficiente - não tão grande quanto o último, pois é o que acontece em mudanças de casa pra apartamento. Tudo numa versão em miniatura de algo que você já teve em tamanho real. 

Não sei ao certo em que ponto da minha vida eu achei que qualquer lugar seria melhor que esse. "Mas você quer ir pra onde, quais seus planos?", já me perguntaram diversas vezes. Não sei, não tenho. Só sei que quero sair.

A sensação de se sentir presa e incapacitada de atingir seu real potencial e culpar o ambiente ao redor sempre foi muito palpável pra mim. Mesmo ciente de que mudar geograficamente não é mudar espiritualmente, e que traumas, medos e ansiedades me acompanhariam daqui até outro continente - mesmo compreendendo tudo isso, sair sempre me passou uma ideia de nirvana, de (re)começo, de "finalmente ser quem eu quero ser". No lugar onde nasci e me criei, onde minhas raízes continuam fortes demais para que eu consiga me livrar delas sem sentir dor, ser feliz e ser livre não parece uma possibilidade pra mim. Só parece uma contínua e infinita repetição do que sempre foi minha rotina, composta de medíocres ações que são resultado de escolhas que não foram minhas, e de dedicação meia boca, e da pura e bruta necessidade de sobrevivência em uma realidade que não sinto que é a minha. 

Já me disseram incontáveis vezes que essa ideia que construí - a de necessitar sair por aí pra finalmente me encontrar - é fadada ao fracasso. Que quem faz minha própria felicidade sou eu, não o lugar que estou inserida. Que isso é fugir dos próprios conflitos e dar as costas pra algo que pode (e precisa) ser lidado diretamente. Talvez. Talvez eu só sou medrosa demais pra admitir que na verdade estou fugindo de tudo isso e justificando numa ideia abstrata, numa fé cega em algo tão fácil de evaporar, depois se tornando em planos esquecíveis. Como o pensamento que te sonda durante todo o ensino médio te fazendo acreditar que o ensino superior vai ser bem melhor, uma vez que estaria focada somente nas coisas que de fato gosta. Ou morre-se de desgosto no caminho ou se vive o suficiente pra saber que tudo isso é uma grande mentira contada por quem foi abraçado pela sorte, beijado pelo destino ou cobrido de privilégios.

Mas talvez - e esse é o pedacinho a que me agarro, o pedacinho da possibilidade, que nos permite e muitas vezes nos obriga a planejar e a sonhar coisas que racionalmente não fazem o menor sentido, mas que emocionalmente são perfeitas - talvez, seja isso. A parte que falta. Tal qual aquele livro d'a parte que falta em mim, na incansável procura de algo que fechasse a solidão própria e que completasse toda a existência de um ser que não sabia para que ou por que existia. Dramaticamente eu me comparo ao círculo daquela história - roda, roda, caí, gira, roda mais um pouco, tenta e tenta e não encontra propósito ou possibilidade nenhuma. Sei que a história tem um final feliz e lembro vagamente de terminar com uma descoberta própria, algo na reflexão moral de ele mesmo ser a parte que faltava em si, mas, se estou sendo sincera, não foi o final esperançoso e moralista que me chamou atenção. Eu nem lembro do final. Mas eu lembro do enredo. E do processo. E da incessante procura por algo que parecia óbvio pra quem olhasse de fora. E na teimosia de tentar achar esse algo.

Quando a Greta representou a própria vontade (parece que não estamos tão sozinhos assim na nossa miséria after all) de largar a cidade pequena, de largar a atitude controladora da mãe e os dramas que pareciam tão frívolos e pequenos para um mundo inteiro que a esperava lá fora, como dizem os jovens do twitter: i felt that. Senti na necessidade de Christine de largar Sacramento, na aversão que ela mostrava ter pela cidade e pelos seus costumes e comportamentos, mas senti mais ainda no exato momento em que ela consegue sair. Sair de Sacramento representava sonhos, e se achar no mundo, e conhecer esse mesmo mundo; estar perto da cultura e de pessoas que não são as suas pessoas mas sim outras pessoas. E mesmo assim, por algum motivo, algo parecia faltar.

Você ficou emotivo na primeira vez que dirigiu pela sua Sacramento? Eu sim. Em meio a tremores de nervosismo por estar dirigindo um carro sozinha pela primeira vez, lá no fundo ainda conseguia se fazer perceptível a minúscula gota de confiança. Porque é um caminho que você conhece. São as ruas do bairro que você estudou. São os prédios que você viu sendo construídos, e derrubados, e construídos de novo, mas agora com uma farmácia no lugar. São as árvores que nunca morreram e as pessoas que naturalmente você não suporta, mas que, olhando de longe, parecem tão inofensivas e frágeis, esperando o momento certo para atravessar a faixa de pedestre. 

Talvez não tenha tido outro momento tão significativo quanto esse - quanto minha própria experiência de dirigir pela minha Sacramento e pensar que, meu Deus, mesmo com tanta vontade de sair daqui, é inegável que sentirei falta. O que não diminui minha vontade de ir embora, mas é até surpreendente a realização pessoal de que, de fato, a gente consegue guardar um pedaço que é especial, mesmo em experiências que, de modo geral, não foram. 

Como todo filme da Disney/Pixar, Moana tem um significado mais forte pra gente que é (jovem) adulto do que para as próprias crianças, que preferem prestar atenção na mitologia e nos tons saturados das cores em tela quando na verdade a obra toda é uma metáfora pra sociologia, meio ambiente, e as relações humanas dentro de um sistema capitalista. Mesmo sabendo e apreciando isso, pra mim foi sobre ter uma personagem que amava o lugar e mesmo assim queria sair dali. Que fazia seu papel feliz da vida, que tinha tarefas e obrigações e um mérito próprio na realização dessas. Não existia, nesse caso, o drama de querer partir para se livrar de nada, ou para querer se descobrir. Moana já se conhecia, Moana não tinha que fugir pra se tornar alguém, pois ela já era esse alguém. Em meio a cenas visualmente bonitas, poeticamente inspiradoras e músicas queridas, me cativou a ideia que alguém que já pertencia também queria sair. 

Então talvez esteja na nossa essência. A gente nunca quer o que tem. E quando a gente consegue o que quer, a gente quer mais, ou a gente quer de maneira diferente. Talvez estejamos condicionados a nunca aceitar o real e sempre aspirar à possibilidades.

Talvez, talvez. Muitos talvezes.

De alguma forma, pode ser que a vida não seja sobre se achar. Pode ser que ela seja sobre todo o processo da procura.

Eu não só tinha uma casa como ainda tenho. Não a possuo, não a detenho - ela continua no mesmo bairro onde me criei, longe demais para que não seja uma ideia interessante dirigir até lá para passar a tarde. Por ironia do destino ou não, minha universidade fica no mesmo bairro, o que me obriga a estar lá pertinho dela todos os dias, de segunda a sábado. Mesmo assim, não paro pra ver ou entrar. É minha casa - minha diferente, reformada e agora-um-restaurante casa, onde sei que o buraco na parede se formou durante minhas tentativas de aprender a andar de bicicleta, onde sempre vai cair manga no quintal e onde o espaço que ficava meu antigo quarto até hoje guarda as marcas do meu nome, profissionalmente escrito na parede por um pintor que já morreu. 

Minha casa onde eu pertencia, e de certa forma ainda pertenço. E, mesmo assim, pesquisar apartamentos que tinham piscina me parecia tão mais animador e me oferecia tantas outras oportunidades...

Hoje em dia, continuo no apartamento com piscina. Eu nunca tomo banho nela. Sinto muita falta da minha casa.

Mas não quero voltar. Que minha casa descanse em paz, que minhas memórias nela (e dela) continuem vivas. A parte da minha vida que ela representa foi uma ótima parte, mas sair dela me deu uma nova. E o que é nossa vida além de diversas partes, desorganizadas em vários capítulos, esperando para serem finalizados e, por fim, dar espaço a um novo? O que é nossa experiência na terra se não uma incansável busca por algo que nem nós mesmos sabendo o que é, com um desejo gigante de descobrir o que seria o mais longe possível - bem longe do ambiente do capítulo anterior, só por precaução, só pra garantir que o capítulo novo seja exatamente isso: novo.

Na semana antes de viajar pra São Paulo, comentei com algumas pessoas o quão mal estava me sentindo de sair de casa. O vazio de saber que não teria meu ambiente, minha família, meu já decorado conforto. De sentir falta de onde você pertence mesmo. Lembro que alguém virou pra mim e me respondeu "isso significa que você vem de um lugar feliz".  

Talvez - só talvez - seja sobre se dar conta disso.



 



até a próxima, 
d🌻

Uma análise sobre millennials; por Shawn Mendes


O que sempre me atraiu na música pop, e na cultura pop como um todo, foi o jeito como as pessoas dentro dela se expressavam e o modo como elas escolhiam contar histórias. Cada caso, obviamente, sempre é um caso, mas o conteúdo popular leva esse nome por um motivo: é popular porque faz sentido pra massa e conversa com pessoas de maneiras completamente diferentes. Como alguém que cresceu ouvindo Pink Floyd e Hannah Montana ao mesmo tempo, isso sempre foi algo que me fazia sentir falta nos outros estilos - os solo de guitarra que duravam 5 minutos e que meu pai adorava simplesmente não falavam tanto comigo quanto uma música com narrativa, que eu podia usar qualquer frase pra definir minha vida - e, naquela época, copiar tudo na minha agenda do ano. Como se as letras fossem algo que eu deveria ter falado sobre em situação x e não disse, mas naquele momento, finalmente, alguém tinha falado por mim.

Ainda sou uma das pessoas mais ecléticas que conheço pra música, mas tudo relacionado ao universo pop (e sua subcategoria: pop farofa) me tem de um jeito muito mais fácil e natural. "Nem só de indie viverá o homem", teria dito Jesus em alguma versão atualizada da Bíblia atual. A gente ainda vai conversar sobre como o indie é superestimado, em contraponto ao pop que é subestimado simplesmente por ser pop - "não é minha culpa ser tão popular" -, nos dando abertura pra discutir sobre como boybands são desvalorizadas simplesmente por terem foco num público feminino; e a gente aprendeu que tudo que é feito pra mulheres ou que é adotado por um público majoritariamente de mulheres é inferior, não é mesmo? Muito tempo atrás li um texto super válido sobre isso, que analisava essa aversão que a gente tem com kpop, ao mesmo tempo que falava de toda a trajetória de boybands na história mundial das boybands, desde os Beatles (que não seguiu sendo considerada boyband e sim apenas band, já que eles se tornaram cool o suficiente e passaram a ter homens participando do seu público, que originalmente era construído por meninas gritando enlouquecidas tanto pelo Ringo quanto pelo Paul) até a famigerada One Direction. Não dá pra negar a nuvem negra que boybands - e qualquer cantor solo com um público majoritariamente feminino - carregam nas costas, tendo que se provar constantemente porque o meio social parece não validar seu papel como artista, porque Deus me livre produções que chamam atenção de meninas em massa ser algo com qualidade. Foi como falou a Heidi Samuelson nesse texto, que lembra muito o primeiro já citado, mas com uma visão mais abrangente sobre as implicações sociais em rebaixar boybands:

Pop music is also frequently chided for its kitschiness or lack of integrity or meaning, which is fair. Let’s be honest, most pop songs are about love, sex, or having a good time. But that’s true of music across all genres. Music doesn’t have to be introspective or deep to be good or enjoyable. 95% of Led Zeppelin’s discography is probably about blow jobs and the other 5% is about Lord of the Rings, and I say that as someone who unapologetically loves Led Zeppelin. But we seem to judge pop music more for this.

Dito isso, entre acontecimentos que envolveram o lançamento de um álbum péssimos do Arctic Monkeys e o Harry Styles chegando na cidade maravilhosa, quebrando a expectativa de que a falta de gasolina iria lhe impedir disso, eis que surge um álbum pra ser meu amor e me tirar da solidão: Shawn Mendes (by Shawn Mendes).


A primeira vez que eu ouvi falar do Shawn Mendes ele tinha acabado de lançar uma música com a Camila Cabello, e eu não podia me importar menos com os dois. É provável que eu nunca nem tenha escutado o tal do dueto (que eu só sei o nome porque lembro do filme de mesmo título, suspense que eu morria de medo quando criança), mas isso já é comum pra mim, que só vim escutar I Don't Wanna Live Forever (dueto da Taylor Swift com o ZAYN) literalmente mês passado. A segunda vez que eu ouvi falar do Shawn Mends, ele tava no Brasil fazendo show e todo mundo estava obcecado porque aparentemente ele era legal demais. Quando eu digo todo mundo, eu quero dizer que até a Ingred me falou sobre uma crush aleatória no garoto simplesmente porque ele era alto. A terceira vez que eu ouvi falar do Shawn Mendes, TALVEZ ele tenha transado com o Nick Jonas. Mas em nenhuma das vezes que eu ouvi falar do Shawn Mendes foi me informado o tipo de artista que ele era, ou que ele tinha o método narrativo na letra da música, ou que a melodia dele tinha violão e piano do jeito que eu gosto, ou que ele era bom. Eu mesma reproduzia um pensamento errôneo - resultado de todo esse processo de "isso é coisa de menina obcecada por cara bonito" (sim, eu também sou vítima, ninguém é imune ao reflexo de misoginia da sociedade) - de que o menino canadense, alto e bonito, que parecia ter saído de uma turma de publicidade da PUC, não tinha nenhum conteúdo a me oferecer.

Felizmente eu não me impedi de ouvir Shawn Mendes, o álbum. E meus amigos, que bom que eu ouvi.

Sabe em 2008, quando a gente ficava sozinha no quarto pra ouvir Taylor Swift na era country e ler e reler todas as letras do álbum Fearless no vagalume (ou letras terra, meu favorito), absorvendo todas as narrativas que ela compartilhava com a gente e tentando encaixar nas nossas próprias histórias? Foi esse sentimento que eu tive ouvindo esse álbum.

Na faixa de abertura, In My Blood, Shawn abre o álbum falando de um sentimento que todo e qualquer millennial conhece muito bem: ansiedade. Como um bom representante da geração Y que é, Shawn descreve tudo que eu e você sentimentos durante um breakdown - a música literalmente começa com um "help me", e ele segue o resto da letra inteira pedindo silenciosamente por ajuda e passando o sentimento que é geral, mas muitas vezes incapacitante, de que ele só conseguiria sair daquilo com a ação de outro alguém, o que fica mais visível ainda durante a ponte em que ele repete "I need somebody now, someone to help me out", frase que também encerra a música como um todo. No final das contas, essa música é sobre aquele momento durante a crise em que você tá chorando água suficiente pra encher dois rios no chão do banheiro, ouvindo te mandarem fazer isso e aquilo pra sentir melhor, mas não obtendo sucesso em nada - "Keep telling me that it gets better. Does it ever?". É aquele momento de querer desistir de tudo, mas, num impulso, simplesmente desiste de desistir, porque não é do teu feitio fazer isso. Mesmo pedindo por alguém e implorando por alguma intervenção a música inteira, ele sabia que a resposta tava nele mesmo. Nas palavras do próprio Shawn:
It was kind of something that hit me last year. Growing up, I was a pretty calm kid. I knew people who suffered from anxiety, found it kind of hard to understand, and then when it hits you, you’re like, Oh my god, this is crazy. When I play that song, I go ‘Just so you know I’m okay. The best thing about it is that it’s not all down. The whole reason I wrote the song was to be like, at the very end, ‘It’s not in my blood to do that.’

Nervous é a segunda música do álbum, e logo no primeiro verso ele repete algo que já tinha feito em In My Blood - pegar partes da letra e jogar num ritmo que lembra fala, não canto. Parece que ele tá conversando contigo e te contando a história dele, como se fosse aqueles pequenos momentos durante um musical em que o personagem tá no meio de uma música mas começa um diálogo falado, mesmo com a melodia ao fundo. O resultado disso é a pessoalidade que o começo "I saw you on a Sunday in a café and all you did was look my way" aparenta, como se ele tivesse falando diretamente contigo, sobre aquele domingo que te viu no café. Também é sobre algo que todo millennial sabe muito bem: ter aquela crush em alguém e simplesmente não saber como proceder ao esbarrar com ela. Lost in Japan começa igualzinha às melodias japonesas que o Zeth sempre me manda escutar, daquelas que o piano te faz viajar pra outra dimensão, alguns séculos atrás, numa cidade de concreto iluminada demais pelas janelas dos prédios e vento frio no rosto. Infelizmente a música não fica assim durante os 3 minutos em que é reproduzida, recebendo uma atmosfera claramente inspirada pelo Justin Timberlake até o final. É sobre estar tão interessado em alguém que o fato de estar do outro lado do mundo não diminui o sentimento. Só que uma batida R&B, o que faz tudo parecer muito mais sexy e glamoroso do que realmente é.

Where Were You In The Morning? segue exemplificando minha tese de que o Shawn presta atenção o suficiente em letras iniciais de cancões - e é assim que ele te cativa. Assim como um texto qualquer, que escolhe começar de modo instigante, as letras do Shawn seguem a mesma premissa: começam a contar algo que tu automaticamente quer ficar lá pra saber no que vai dar no final. "You said: I wanna get to know ya; Why you gotta get my hopes up?" de novo focando em nós, pobres millennials, fazendo confusão onde não deveria ter, porque esperamos demais de algo que nunca existiu. É sobre aquele sentimento de ter perdido algo que nem começou de fato, de sofrer por uma desilusão que a outra pessoa nunca planejou te dar ou de esperar profundidade de algo que nasceu pra durar apenas por um período limitado de tempo. Like To Be You é um dueto, e particularmente uma das minhas letras favoritas do álbum. Parece uma discussão de casal que tu foi possibilitado de assistir de camarote, e o que eles falam um pro outro te dá vontade de intervir fazendo papel de mediador. Seguindo minha teoria sobre a força de frases de abertura, Shawn começa com "don't cry - or do, whatever makes you comfortable, i'm tired too", num tiro certeiro sobre todos aqueles momentos intensos que já tivemos com alguém e queríamos falar "não chora, mas se quiser chorar pode - não sei o que está passando na sua cabeça então não posso te cobrar nada". A Julia Michaels pergunta na estrofe dela se pode beijá-lo, porque a essa altura eles estão tão desconhecidos um para o outro que ela não consegue ter certeza do que pode fazer ou não. O refrão é aquele momento assustador que você se toca que já não conhece mais aquela pessoa o suficiente, mas que "ainda morre de vontade de conhecer", porque entender o que se passa na cabeça dela significa intimidade e intimidade é convívio e convívio é amor. "Tell me what's inside of your head, no matter what you say I won't love you less", vibe que o John Legend já tinha feito antes naquela frase da famosa All Of Me - de longe minha parte favorita da música: "what's going on in that beautiful mind?". Eu sempre tive um fascínio por pessoas que se importam o suficiente com as outras pra tentarem entrar na cabeça delas - porque elas são that important, e conhecê-las de modo tão profundo seria um privilégio.

Fallin' All In You também é uma narrativa - daquelas clichês, tão clichê que tem a frase "if I'm dreaming, please don't wake me up" no meio; sobre se apaixonar, e sobre se dar conta disso enquanto a pessoa tá entrelaçada a ti assistindo o pôr do sol. Não sou mais uma fã do Ed Sheeran como antes, mas quem disser que o + e o x são álbuns ruins tá totalmente equivocado - e essa música parece que saiu de um deles. Até os vocais são parecidos. Fiquei tão assustada com isso que fui pesquisar e descobri que o Ed Sheeran de fato faz o backing vocal dessa música e ajudou a escrever. Explicado. Particular Taste, por outro lado, é outra narrativa, mas dessa vez colocando em perspectiva uma mulher que não tá interessada em nada e se diverte mais iludindo homens do que se relacionando com eles. É tudo sobre o jogo e sobre a personalidade da personagem principal da música, que não permite que ela leve romance nenhum a sério. Parece uma música que teria entrado no álbum Harry Styles (by Harry Styles), uma vez que todas as mulheres mencionadas pelo Harry em música seguem exatamente esse tipo, independente e doesn't care for none of it (pesquisar: Carolina, Kiwi, Only Angel). O Shawn passa a música inteira falando sobre o quanto tá obcecado por ela garota, mesmo sabendo de tudo isso, e toda a narrativa que ele cria pra te apresentar a personagem é o que te prende.

Se Fallin' All In You parece uma música do Ed Sheeran, Why parece uma música do Sam Smith. Tem o R&B, tem o peso do ritmo e da melodia e tem o modo sofrido de cantar, daqueles que te faz achar que uma dor de cotovelo não vai ser curada nunca. Essa música em especial é o exemplo perfeito pra tudo que eu falei sobre frases iniciais, e a estratégia que esse álbum mostrou em te obrigar a permanecer ali acompanhando aquela história cantada - porque tu tem que saber como vai acabar. Why começa com "I know a girl, she's like a curse", te deixando curioso pra saber quem é a garota e o que exatamente ela faz pra ser uma maldição. Conforme tu vai acompanhando a narrativa que dá base a música, descobre-se que a situação inteira descreve uma atração mútua em que as duas pessoas não conseguem falar sobre isso, e ficam sofrendo em silêncio quando podiam simplesmente expor os próprios sentimentos. Ahhh, os millennials e essa mania de sofrer por algo que seria tão mais fácil de lidar. Essa música em especial ilustra bem demais sentimentos que todo mundo tem, e como a música pop casa com o ato de contar histórias - coisa que a Taylor Swift amava fazer (vide Enchanted, música feita pra falar sobre a situação de conhecer alguém e ir pra casa implorando pra todos os deuses que esse alguém já não tenha outro alguém; e a minha favorita, All Too Well, em que você literalmente entra numa história alheia e vive os pequenos detalhes do relacionamento junto com eles, e termina sabendo que o Jake Gyllenhaal ficou com o lenço da Taylor e usa até hoje) - como nessa parte totalmente #relatable da música que diz "and you say 'hi' like you just met me; why do we put each other through hell?".

Because I Had You também parece uma música do Ed Sheeran misturada com Love Yourself (tecnicamente do Justin Bieber, mas escrita pelo Ed). Outro clichê sobre deixar aquela pessoa ir embora e sofrer por ser idiota. Jovens, né? A próxima música, chamada Queen, me surpreendeu quando me dei conta de que também era uma das minhas favoritas. Parece uma música que, caso a vida fosse um musical, tu começaria a cantar pra garota babaca-e-popular-demais da escola, ou pra qualquer outro personagem que se acha muito mais do que é. Como eu disse, situações reais, que todo mundo passa, narradas com ritmo. Tenho ranço de quem tem ego suficiente pra duas pessoas e que se orgulha disso, então eu total gravaria essa música caso me fosse dada a oportunidade. Nas palavras do Shawn:

[…] I just hate people who think they’re better than other people. There’s no reason to. It just bugs me, man. My least favorite trait in somebody is when you can feel them acting like they’re more important than you, and I just had to write a song about it. I thought the best way to talk about it was to be like, ‘You’re not the queen of a country.’

Youth foi escrita após o ataque terrorista em Manchester que aconteceu no show da Ariana Grande, em 2017. A canção é descrita como um hino de esperança pra todos nós, e diz que se tem uma coisa que não vão conseguir tirar da gente, é a nossa juventude. Baque após baque nossa alma fica aqui, mesmo despedaçada, mas é só acordar um dia após o outro pra que ela comece a curar. Pra mim essa música resume todo o sentimento Geração Y que eu senti com o álbum inteiro: nós estamos aqui e estamos todos unidos pela força dos sentimentos que temos como um conjunto.

feel devastion again,
my heart is broken,
but i keep going.

Mutual é uma versão mais suave de "Do I Wanna Know" dos Macacos do Ártico, no mesmo questionamento desesperado que quer saber se esse sentimento é tanto meu quanto seu, se eu deveria desistir ou continuar tentando. O que exatamente você quer? Sério, não dá pra ficar mais #relatableteenagedrama que isso. "I want you bad. Can you reciprocate? No, I don't want to have to leave. But half of you is not enough for me." Eu disse que era uma versão mais leve, mas, no final das contas, é um tapa na cara emocional tanto quanto. A penúltima música do álbum, Perfectly Wrong, já começa com uma referência a Romeu e Julieta: "taste the poison from your lips; lately, we're as good as gone". Percebe a importância de estabelecer um começo que prenda quem tá escutando? Me admira demais a criatividade da música pop. A melodia é tão poética quanto o começo escrito, e repete várias vezes que aquela pessoa é perfeitamente errada e é exatamente por isso que ele não consegue largar. O maior vício do millennial, mesmo aqueles que são obcecados em fazer tudo certo e surtam só com a ideia de quebrar regras (cof cof quem?), é permanecer em algo que sabe que é errado ou que simplesmente não tem jeito. A gente é completamente desfuncional, sabemos disso e desejamos continuar.

E finalmente, When You're Ready. A última música do álbum, que finaliza com o sabor doce de esperança de amar tanto alguém que esperar por ela é tudo que você pode oferecer, uma vez que, como já aprendemos em How I Met Your Mother: timing is a bitch. Essa premissa a Demi Lovato também usou em Only Forever, do seu último álbum, música que todo mundo diz que é pro Nick Jonas - o mesmo Nick que também dizem que ficou com o Shawn. E vocês achando que só a cidade de vocês que era um ovo.


Only Forever, da Demi, é uma música que dolorosamente fala sobre saber que está destinado a ficar com aquela pessoa mas saber também que o custo a ser pago por isso é muito alto. Esperar o momento mais propício, então, parece a melhor opção. Ambas as músicas me lembram muito o método que eu uso pra escrever narrativas românticas, e o plot que eu escolho pra ambientar isso - aquele amor paciente que não pareceu servir em determinado momento, mas que é tão puro e tão certo que esperar por ele não parece nenhum sacrifício. Me faz lembrar paixões inocentes da pré-adolescência, crushes em amizades que tu prefere não estragar, misturado com aquele sentimento de conhecer a pessoa mais do que ela mesma se conhece, algo que foi bem explorado pelo Shawn no álbum todo. É a música perfeita pra fechar uma coletânea perfeita de experiências de jovens millennials que sofrem por paixões rápidas, amores duradouros, ansiedade, ranço e orgulho de ser jovem. É a música perfeita pra fazer a gente sair dessa experiência musical esperançoso com o romantismo que ainda existe no mundo.

O álbum inteiro do Shawn Mendes é uma coletânea de narrativas sobre o que é sentir, sobre errar e querer permanecer no erro, sobre querer o que você sabe que não é pra você e querer o que você sabe que é, mas não consegue fazer nada a respeito. É um álbum literalmente sobre ser humano, e sobre ser humano e jovem. É sobre ter de novo aquele sentimento da pré-adolescência, que ouvia histórias sobre acontecimentos que pareciam narrativas saídas de filme - mas agora é ouvir sabendo que essas narrativas existem sim, e conseguir se ver dentro delas.

Graças a Deus não me privei de ouvir Shawn Mendes por achar "conteúdo pra menininha". E mesmo que seja, nós menininhas merecemos mesmo músicas pop que falem por nós. O fato de não ter macho chato na platéia é só um bônus.

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Eu não planejei fazer uma newsletter destrinchando todas as músicas novas do Shawn Mendes, isso simplesmente aconteceu. Mas quem pode me culpar? Não precisa ouvir as músicas (tô só sendo educada, precisa sim!!!), mas vocês já viram A CAPA??? Apreciamos a arte. De fato não é nada original - vide o Marcelo Monreal, artista brasileiro conhecido pelo trabalho seguindo o mesmo estilo - mas é visualmente linda, e é disso que o Brasil gosta. O álbum tá aqui pra quem é de Spotify, e em outras plataformas pra quem é de outras plataformas. Não estou sendo paga pela promo.

O que a música pop me deu durante todos esse anos foram narrativas que podiam muito bem fazer parte de uma história - seja num musical (bandas com musicais: Queen, Green Day, ABBA), seja numa cena como trilha sonora de um filme, seja complementando minha própria história enquanto escuto tudo nos fones de ouvido durante uma viagem e repenso todas minhas escassas, porém importantes, experiências.

E as melhores ainda me ajudam a criar histórias que nunca vivi de fato, mas que minha cabeça toma como verdade. E aí é todo um universo paralelo (no qual eu adoro viver).

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(a Juzinha fez essa foto pra mim quando eu ainda nem sabia que o Shawn Mendes tava lançando álbum novo, muito menos que a capa era assim. só achei lindíssimo. e ela achou que era cabível meter minha cara no meio. não reclamo.)

até a próxima,
deni out. 🌻

Imaginem Legalmente Loira - só que a protagonista é ruiva e não entrou em Harvard


Hoje, sexta-feira, encerrando a semana, eu acordei tarde.

Meu despertador já fica devidamente marcado pra tocar exatamente às 7:30 durante todos os 5 dias comerciais, sendo o horário de sábado decidido na sexta à noite quando a resposta sobre ter aula ou não já é definitiva, e o domingo sem alarme nenhum - porque domingos não foram feitos para serem iniciados com alarmes. Mas de segunda a sexta é sempre a mesma coisa, e o hábito de enrolar pra levantar fica variando por ser dependente do nível de cansaço e do horário em que resolvi deitar na noite anterior. O fato é que antes das 8 da manhã eu sempre estou com meu banho tomado e com minha xícara de café prontinha pra ser feita.

Hoje, 25/05, numa sexta-feira comum e de expediente normal, sem ocasião especial ou feriado marcado no calendário, acordei às 8, levantei às 8:30 e tomei meu café às 9. Me pareceu sensato, já que todos os meus trabalhos para hoje eram fora do escritório, num ciclo que envolvia dirigir pela cidade (com dor no coração, pois: gasolina 5 reais) e falar com servidores públicos pra agilizarem ou me informarem sobre processo tal. Hoje não era um dia de atividades mecânicas e formatação de petições já feitas, com o barulho das teclas de quatro notebooks numa mesma sala se mostrando mais alto do que as vozes de seus usuários; muito menos um dia para sentir o cheiro de café preto no advogado ao lado, impregnando no terno e na gravata, e me deixando com mais vontade ainda de responder "sim Bruna, aceito, com açúcar, obrigada" sempre que a secretária entra na sala perguntando "alguém aceita café?". Eu não fui obrigada a seguir o mecanismo e a mesmice atrelada à escritórios hoje, então me pareceu sábio demais simplesmente não começar meu dia com uma rotina já pre-estabelecida. Hoje era dia de ouvir o alarme, desligar, e dormir por mais meia hora.

Existe uma sensação muito boa em fazer seus próprios horários e não necessariamente ter que bater ponto em lugar x no horário y pra provar sua efetividade como funcionário. Infelizmente continuo sendo escrava do capitalismo, o que significa que ainda sou completamente subordinada aos meus superiores e tenho que justificar caso eu não chegue às 8:30, mas existem dias - dias sorteados - em que essa não é minha realidade. Hoje, entre imprevistos e esclarecimentos - com servidores públicos que tiram a fama que todos os outros tem de serem mal educados -, vagas de estacionamento perdidas e 3 sinais verdes seguidos, me encontrei com todas minhas obrigações resolvidas (na medida do possível - a gente também não pode ter tudo) e com tudo em ordem antes mesmo do final do expediente.

Talvez tenha sido os tais dos 3 sinais seguidos que estavam abertos em uma das piores avenidas da cidade; talvez tenha sido a playlist no carro que aproximadamente a cada 3 minutos tocava uma música que eu nunca tinha ouvido antes, porque alguém tinha colocado na minha playlist colaborativa como indicação (spoiler: eu amei absolutamente todas!); ou talvez tenha sido a paciência daquele senhor de uns 70 anos ao tentar me explicar o que eu não conseguia entender no processo físico em minhas mãos (que porra é Ato Ordinário e porque ele tá datado de 2016 se a gente tá em 2018?) ou até o menino de uns 4 anos que mora no meu prédio, que ao esbarrar comigo no elevador me cumprimentou e ao sair falou "tchau, moça". Definitivamente não foi a STRANS e a demora em que levaram pra me atender lá, ou a cólica que a TPM da vez tá me dando. Mas pode ter sido a Justiça Federal e a estrutura de seu prédio, que tem um auditório em formado de oca, coisa que eu achava interessantíssima quando era criança e passava na frente, tentando entender o que era aquilo ao olhar pela janela no banco de trás em um dos antigos carros da minha mãe. Hoje eu não era mais a menina que espiava pela janela e perguntava o que era aquele prédio engraçado. Hoje eu era uma das pessoas que entravam ali dentro pra de fato realizar um trabalho. Aquilo não me atingiu na hora - nem hoje e nem na primeira vez que entrei lá, achando graça demais no adesivo que eles dão com o nome "visitante" pra gente poder entrar - mas, meu Deus, como atinge agora.

Nas últimas semanas eu venho sendo completamente assombrada por aquele quote clichê (o que não tira sua intensidade) que todo internauta já leu: lembre-se de quando você queria aquilo que tem hoje. De fato, eu tenho inúmeras conquistas e coisas materiais que sempre quis e sempre fantasiei, mas quando elas chegaram não pareceu tão significativo ou pesado como o sentimento que essa frase me trás. Acho que o problema é a gente sempre constantemente querer algo, e querer algo é um processo muito fácil de te fazer esquecer o que você já tem. Tipo comprar sapato: esses dias eu quase comprei um tênis branco porque esqueci que já tinha comprado um, que inclusive nunca usei. Problemas de primeiro mundo, mas me diz se a reflexão não é válida?

Eu nunca quis estar onde eu estou hoje; não era um sonho meu ser uma estudante de direito de quinto período, com uma rotina estabelecida de trabalho e estudo, podendo ir e vir num prédio tão intocável quanto o da Justiça Federal, sabendo a diferença entre as varas do Tribunal do Trabalho. Tirando as poucas ocasiões em que eu brincava de mexer em papéis, assinar todos rapidamente e digitar de mentira no teclado antigo e encardido do computador que ainda tinha CPU - numa vibe meio: criança que quer ser a Donna de Suits, caso a Donna existisse naquela época -, não consigo lembrar um momento da minha vida sequer em que eu tenha desejado ou esperado por esse momento da rotina feita, do click do mouse e da permissão para representar grandes nomes em órgãos judiciais. Mas eu sempre quis o carro, a independência, o dinheiro próprio e a sabedoria de sair onde ir, como falar e como me virar sozinha. E a gente já debateu sobre como me sinto sobre os meios que eu não necessariamente queria, mas que aceito os fins.


Talvez tenha sido estar lá e pensar em tudo isso - em 5 segundos, com os pensamentos correndo como um flash, totalmente diferente da minha tentativa de racionalizar tais segundos aqui -, ou talvez até não tenha sido nada, mas hoje, num dia livre de rotina, num dia que eu só decidi como e o que fazer ao abrir os olhos, num dia em que eu tomei meu café no horário em que eu já deveria ter saído de casa, no dia dos sinais abertos e crianças fofas e idosos atenciosos: eu senti paz. Literalmente.

O prédio da Justiça Federal é engraçado, e enorme, e me intrigava bastante quando eu era criança, mas hoje posso dizer que a melhor parte de toda a construção e arquitetura por trás foi a ideia natureba da parte de fora, com bancos pra sentar, fontes pra observar e tanto verde que eu sinceramente achei que tinha sido transportada pro Parque do Ibirapuera em São Paulo. Não me lembrava em nada a parte interna, que tirou 30 minutos do meu dia, com luzes artificiais e ar condicionado gelado demais, muitas expressões sérias e muitos ternos - também como uma cena de Suits, só que com menos beleza por parte dos advogados. Terminar meus afazeres mais cedo foi uma boa ideia, porque não necessariamente eu tinha que voltar ao escritório, ao mesmo tempo que não teria que ir para casa - a aula no período da tarde tinha acabado de ser oficialmente cancelada. Tá aí, talvez tenha sido a aula cancelada também.

Eu saí do prédio, e algo lá fora me fez ficar onde eu estava. O vento era digno de ambiente litorâneo, só que sem o sal do mar e a areia, ou seja: infinitamente melhor. O clima era tão agradável que se eu tivesse de jaqueta de couro eu não teria derramado uma gota de suor pela testa, eu garanto - e isso realmente tem significado quando você é do Piauí. Resolvi sentar em um dos bancos desocupados ali, só pra ficar olhando pro nada - pro nada e pras pessoas passando, ocupadas demais num telefonema ou numa conversa pra me reparar ali, sem fazer nada. Contei 3 entregadores de almoço chegando, 4 advogados de terno, 4 mulheres, e uma em específico com o cabelo tão vermelho vivo que a Roberta de RBD ficaria com inveja. Nunca pensei que encontraria a paz no meio do prédio da Justiça Federal, com o cabelo mais esvoaçante do que um clipe pop de alto orçamento bancando ventiladores gigantescos pra trazer o glamour; num balanço perfeito entre o calor e o frio, observando gente ocupada demais pra me observar de volta. Sem trabalho pra fazer até segunda, sem aula pra assistir, ainda com n problemas mas nenhum deles se fazendo presente naquele momento. Ali era só eu, a natureza e meus pensamentos, e tava tudo bem.

Lembro de me sentir tão energizada e purificada que a única reação que eu tive foi pegar o celular pra enviar uma mensagem dizendo "caramba, tô sentindo tudo isso do mais absoluto nada e no lugar mais improvável e sentei aqui só pra sentir e tá tudo ótimo e eu te amo", simplesmente porque eu sabia que podia mandar uma mensagem daquelas pra tal pessoa e não me sentir completamente aleatória. Porque ela entenderia meu momento. Até agora não vi a resposta que me foi dada, só não queria deixar de compartilhar com alguém, porque não parecia real. Mas foi. E o fato de que eu tinha alguém que sentia poder compartilhar só me deixou mais satisfeita ainda.

Foi uma das experiências mais espirituais que eu tive. E pra quem frequentou a igreja a vida toda, isso diz muito.

Não sei o que meu eu de 5 anos diria se eu contasse que hoje tive um momento [meme do cérebro] no meio do prédio que ela achava engraçado. Mas eu também não sei o que ela diria sobre hoje eu ser uma daquelas pessoas que resolvem problemas alheios ali dentro, mesmo sem ideia nenhuma de como resolver os próprios problemas em casa.

Talvez ela me olhasse sem entender nada, porque adultos são pessoas chatas de histórias entediantes, e brincar no balanço da escola é mil vezes mais legal. Talvez, só talvez, ela ficasse feliz, em saber que o eu do futuro chegou onde ela nem imaginou que chegaria.


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Me corrijam se eu estiver errada, mas acho que meu recorde pessoal são duas letters em 10 dias - e isso me dá quase tanta felicidade do que olhar pro céu hoje. O ato de escrever está lentamente caminhando pra virar meu maior companheiro de novo, e é tão bom saber que eu pertenço em algum lugar ou em alguma coisa. Pertencer na escrita é um título que me orgulho de ter.

Esses últimos dias, uma coisa que tem me animado muito também é conhecer músicas novas de gente que nunca me apeteceu parar pra ouvir - e foi por isso que saí coletando todas as indicações possíveis pra preencher a já citada playlist de recomendações. Aqui a gente abre um espaço pra vocês responderem com outras indicações, ao mesmo tempo que eu declaro um cantinho novo permanente pra trocarmos conhecimentos e gostos musicais. Nada tá de fora, tudo pode entrar.

Eu nunca tinha pensado em The National, nem sabia que eles estavam no Lolla, mas comecei a ouvir e sinto que ilustra muito bem o sentimento que tive hoje. Principalmente se for Gospel, do álbum Boxer, com a melancolia do violão com o piano e o sentimento de ter mais por aí do que o que a gente espera ou imagina. Também ando completamente obcecada em Rex Orange County, porque a batida é legal e as letras são mais ainda (eu sempre começo a rir porque parece muito algo que eu escreveria e, já que não escrevi, algo que fala por mim). Television/So Far So Good é o exemplo mais perfeito que eu posso dar. Felizmente vai ter Denise ouvindo The Maine (por culpa da Babs) e imaginando Misery tocando na cena triste do meu filme pessoal, onde eu ando pelas ruas de NYC cabisbaixa com algo que deu errado entre mim e o personagem principal. Vai ter Xtina e Demi Lovato jogando falsete da Melody nas minhas indicações sim, porque também de pop farofa viverá o homem - mas, sinceramente, eu falaria de Fall In Line de qualquer forma, porque é uma música que me dá vontade de berrar junto, mesmo que eu não saiba fazer belting como elas. O bônus é que eu escreveria a letra dessa música inteira numa carta pra minha irmã mais nova. E o álbum novo inteiro do Shawn Mendes. Mas aí já é outra letter.

Também parei, finalmente, pra ouvir o Original Broadway Cast Recording de Legally Blonde, musical esse que é tão bom quanto o filme (a não ser que você goste de comédia misturada com números musicais, nesse caso o musical pode ser até melhor). Elle Woods - que tanto me inspira com terninhos e canetas de pompom rosa dentro de um tribunal, e que provavelmente me inspirou mais nessa newsletter do que eu queira demonstrar - cantando tanto sobre amor quanto sobre a dificuldade que é faculdade de Direito. Não sei se tem algo mais eu.


Por mais dias olhando pro céu com vento na cara, com música boa pra ouvir e com sensação de que tudo está bem. A vida não é a Elle Woods entrando em Harvard por privilégio e determinação, mas a gente consegue achar a mesma satisfação sentada num banco em alguns minutos.

Pela liberdade de assinar documentos jurídicos com caneta rosa em gel e glitter!


até a próxima,
deni out. 🌻

Tratamentos psicológicos e o que (não) esperar dele

Uma coisa que não te falam sobre finalmente tratar seus próprios demônios e ficar melhor é que você não fica melhor pra sempre. 

Já tem quase um ano que um comprimido cor de rosa e um copo d'água fazem parte da minha rotina noturna, sendo uma das últimas coisas programadas a fazer antes de desligar a luz pra dormir. Hoje em dia esse comprimido me afeta em 0 coisas (além das que ele necessariamente precisa afetar; ex: produção de serotonina no meu cérebro. biologia. outro assunto.) e não me atrapalha em absolutamente nada - pelo contrário. Mesmo com a demonização de medicação e psiquiatra, eu devo minha vida à esse combo, uma vez que eu definitivamente não sei se estaria aqui escrevendo se essa intervenção em forma de droga tivesse demorado mais algumas semanas.

Então eu fiz minha parte, me consultei, me tratei, não fiquei dependente de nada, melhorei, e hoje consigo sentir que felicidade existe sim, já que antes isso era só uma palavra inventada que eu nunca sentia o verdadeiro significado. Literalmente o processo dos sonhos pra qualquer um que tenha que lidar com problemas psicológicos. Tudo bem feito, tudo nos conformes. E agora? 



No meio de tanta discussão sobre problemas psicológicos, e tentativas (falhas e efetivas) de conscientização, é raro encontrar alguém debatendo o depois. A ideia que eu tenho é que vende-se um pensamento que, uma vez procurando ajuda e recebendo o devido tratamento, você tá completamente livre de qualquer outra crise ou desconforto porque tua mente alcançou o nirvana. Isso não existe (a situação -- o norvana existe sim, inclusive conseguiu unir todas as tribos). 

Eu queria que a gente também debatesse o depois. Depois esse que nem é depois, é durante. Pra mim, tratamento não tem fim. Principalmente os tratamentos que servem pra algo que tá dentro de você. Tira a medicação, tem alta da terapia, mas sua mente fica - e meus amigos, se nossa mente não for a fonte de quase todos os problemas que a gente tem que lidar diariamente, eu definitivamente não sei o que é. O tratamento psicológico e psiquiátrico tem fim sim, o que é ótimo; eu nem imagino a alegria (e talvez desespero também) que deve dar quando um profissional desses olha pra ti e diz "sua cabecinha já tá no lugar, pode ir". Acontece que a mente é traiçoeira, e as ocasiões da vida são imprevisíveis, então se tem uma coisa que não finda é nossa constante preocupação com o que a gente pensa e em como a gente reage às coisas. Não é só consertar como se fosse um objeto quebrado que, depois de duas chaves de fenda e um prego bem seguro, não quebra mais. A gente não é objeto. E a gente precisa de conserto constantemente. 

Se algum dia minha terapeuta (hipoteticamente falando, já que estou sem uma no momento, graças à VIDA que não me dá tempo pra tratar de mim mesma) me desse alta porque ela acha que meus problemas com ansiedade estão sob controle, nada me garante que eu não teria vontade de voltar quando meus problemas com meu corpo aparecessem. Infelizmente a gente não tem uma cura ou uma vacina que instantaneamente te deixa protegido de uma crise - e não é como se o governo estivesse oferecendo sessões de terapia e consultas gratuitas ao psiquiatra do mesmo modo que ela divulgou e espalhou vacinhas para H1N1. Percebe?

O que eu queria ter tido consciência antes de começar o meu tratamento é que, além de focar e esperar muito pelo dia que eu conseguiria dar uma risada genuína e me sentir como um ser humano novamente, não era só nisso que eu deveria esperar. Se eu tivesse a consciência prévia que não era tão simples como tratar uma sinusite com remédio, eu teria me prevenido pras crises que surgiram do nada, mesmo com medicação e um bom estado de espírito. Eu teria entendido a vontade de me isolar de tudo e todos como algo inevitável (em algum ponto e em certos níveis) e não no desespero de achar que eu estava ficando mal de novo. Eu talvez tivesse ligado melhor com crises de choro e com pensamentos degradantes que minha cabeça tomou como certa. Eu provavelmente teria tido consciência de que tratamento nenhum te deixa imune a nenhuma dessas coisas.

Eu consigo racionalizar e entender que tratamento não é algo pra não te fazer sentir - é pra te fazer sentir e te ensinar e ajudar a lidar com esse sentimento. Mas a visão cega que eu tinha e o que eu sempre vi sendo vendido era que um remédio e uma terapia iam melhorar minha vida em 100% e que as possíveis crises que eu poderia ter seriam só as crises normais de adversidades da vida, daqueles meio "que merda de dia na universidade" ou "meu chefe me tratou mal, que lixo". Coisas que passam em questão de horas quando você consegue largar delas. Mas não tem isso de largar nada numa mente obsessiva. A única coisa que mente obsessiva de fato larga é da racionalização das coisas, e isso é o que mais me afeta durante uma crise. Esse sentimento de impotência e de ter certeza que vai ficar mal de novo e de achar que, caso isso aconteça, dessa vez você não vai mais conseguir sair de lá.




Eu não posso e nem vou falar pra ninguém que, depois de diagnosticada e tratada, eu não tive pensamentos ruins em relação a mim mesma, nem que eu vez ou outra enxerguei de novo um mundo que seria muito melhor sem minha presença nele, ou que eu não passei noites em claro ansiosa por algo ou preocupada que pessoa x me odiava e pessoa y não tava me tratando bem e eu não sabia o motivo. Essas coisas não vão sair de mim, até porque eu passei a minha vida toda dando atenção a elas, e isso meio que molda um pensamento que nunca foi teu pra algo comum na tua cabeça. No sábado anterior ao dia das mães eu tive uma crise horrível, daquelas bem novela de ter alguém falando contigo e tu responder aos prantos, sem conseguir completar uma frase porque tá soluçando demais. Isso já foi comum pra mim, mas hoje em dia não é mais. Hoje em dia, quando acontece, parece que eu tô voltando à estaca zero e eu fico mais desesperada ainda porque eu não sei o que aconteceria caso fosse esse o caso.

Nessa crise em questão, minha mãe me falou algo que guardei comigo. Depois de me dar um copo d'água, porque ela é um anjo, ela segurou minhas mãos e me disse "se refaça". Eu sei que esse "se refaça" era sobre minha cara, com maquiagem estragada e pontos vermelhos vivos típicos de quando eu choro demais. Mas lá no fundo, pra mim, esse "se refaça" serviu pra todos os pontos da minha vida. Eu tenho que constantemente me refazer, de novo e de novo, pra conseguir lidar com minha própria cabeça. Tenho que me forçar a mudar de ideia quando a vontade de isolamento é muito grande, porque eu sei que esse não é o caminho. Me refaço todas as vezes que quero me distanciar de alguém porque sinto que algo simplesmente não tá certo mas consigo falar com ela sobre isso. Me refaço na universidade quando finalmente pego um livro pra estudar, ou quando consigo chegar no estágio após um dia completamente fora das minhas crenças morais e sociais e ainda sim realizar meu trabalho do jeito que querem que eu o realize. 

Ter um problema e ter que constantemente lidar com esse problema é estar dentro de um ciclo de "se refaça". É ter uma crise sabendo que não gostaria de estar nela, mas já que estamos, qual a melhor forma de lidar com isso? É se sentir mal por n motivos e não repetir o mesmo caminho do passado, porque você sabe onde isso te levou. Demora um pouco - God knows que, na hora de uma crise, você não consegue enxergar mais nada além daquilo e que, por alguns segundos, tua vida e todas as perspectivas pra ela simplesmente não existem mais. Mas a vida continua mesmo quando a gente não quer, e é nesse momento mesmo, naquele entre enxugar as lágrimas e respirar fundo, que a gente pode ter um momento de luz pra conseguir ver além da nuvem negra e falar: Me refaço. 

Talvez o que eu achei que estava dando errado no meu tratamento esteja dando muito certo, sim. 

 



Meu problema com racionalizar as coisas é que eu acho que não consigo de fato fazer isso até que eu escreva sobre. Dito isso, eu só acho minha inspiração pra escrever na dor e na frustração. Peço desculpas (não pedindo, porque sou completamente unapologetic about it - acho que toda arte vinda da dor é palpável e não precisa pedir licença) pelo assunto recorrente. 

Enquanto eu não consigo achar outra maneira de colocar pra fora (ou outra terapeuta - é sério isso, mandem contatinhos não de namoro mas sim de profissionais especializados numa abordagem que não seja a humanista), tamo aqui. Já faz um tempo, mas aqui é minha casinha emocional, construída dentro dos e-mails de vocês, então uma hora ou outra eu sempre volto. 

P.S.: meu chefe saiu por alguns minutos e eu literalmente cuspi esse texto. Não quero revisar pra não meter minha visão crítica em cima e querer mudar tudo num tempo que eu não tô tendo etc etc etc vocês entendem porque a gente já "conversou" sobre isso. Passem por cima dos meus erros - do texto e da vida -, porque eles não são propositais. 

P.S.2.: eu só gosto muito de Nemo mesmo.



 
até a próxima, 
deni out. 🌻

Bolo à beira do oceano com pássaros e abelhas

ATENÇÃO!!!

Essa newsletter é aquele ponto na carreira que toda artista tem ou é forçada a ter. Aquele ponto Britney pós anos 90, depois de Baby One More Time e aparecendo no palco com uma cobra nos ombros pra dançar Slave 4 U. Quando a máscara de boa moça fica meio turva pela ideia de "Good Girl Gone Bad" que é um prato cheio pra mídia lucrar em cima. Hoje a gente vai ter um assunto peculiar ("você não entenderia"), tentando tirar os tons de cinza do meio porque eu não aguento mais ficar no cinza e quero, finalmente, preto no branco.

  

Uma vez, no meio de um debate entre amigos sobre certa situação com sexo no meio, me falaram que eu não tinha como debater ou expressar meu ponto porque eu era da "geração Disney" e que automaticamente eu iria falar com meu modo ingênuo de ver mundo ou romantizaria o que não era pra ser romantizado. Na hora não me abalei muito, já que não conseguia calcular a relação entre comentar um caso público que estava em todos os jornais da época e o fato de que eu via Boa Sorte, Charlie todo dia, 22:30, na antiga programação do Disney Channel, antes de dormir.

Foi só muito tempo depois desse acontecimento que eu parei de fato pra refletir o que significava ser "geração Disney". A gente - eu e meus amigos, nesse contexto - cresceu acompanhando o mundo pop adolescente (que hoje é só mundo pop mesmo, porque ninguém é sensação teen pra sempre), onde estávamos mais interessados em debater o episódio novo de iCarly (que não era da Disney, mas vocês entendem que Disney aqui é um estado de espírito e não uma empresa, certo?) e se o Nick Jonas tava com a Miley ou a Selena. A gente também tinha que acompanhar o maior bafo da época: a gravidez adolescente da irmã da Britney Spears, que basicamente nos obrigava a comprar revistas Capricho. Revistas essas que, posteriormente, nos dariam detalhes sobre a Demi Lovato surtando e indo pra rehab.

Conforme fui crescendo e fui me inserindo em outros ambientes, o foco das conversas foram mudando. Não reclamo, era normal e natural ter uma mudança de perspectiva com o passar do tempo e o envelhecimento das pessoas em questão. Mas como é normal num grupo grande com meninas e meninos que cresceram juntos e estão entrando na juventude juntos, a conversa gradativamente foi mudando de Hannah Montana pra Gossip Girl pra beijo na boca pra namoro sério pra sexo.

Eu sempre tive uma relação muito aberta e tranquila com meus amigos mais próximos, daquelas que a gente não tem papas na língua pra falar o que a gente tá pensando por mais aleatório ou idiota que parecesse. Mas sempre notei que a gente não sentia essa liberdade toda pra falar sobre sexo, ou qualquer outra coisa envolvendo sexualidade: um comentário raramente sobre situação x, um anúncio rápido de "não sou mais virgem!!11!" ou um "vou chamar a fulana lá pra casa na sexta e vai dar certo" - esse último sempre saindo da boca de um menino, que nunca se incomodava de mencionar a própria rotina sexual, enquanto minhas amigas se seguravam tanto pra dar a menor quantidade de detalhes possíveis.

 

A relação que eu achei com a geração DisneyTM e isso, foi que a gente cresceu condicionada a debater o fato de que, MEU DEUS, Jamie Lynn Spears tava grávida aos 16 anos e isso era um choque!!!! Mas nunca passou por nossa cabeça reconhecer que sim, meninas de 16 anos fazem sexo em qualquer lugar do mundo, ou debater as consequências da falta de preservativo numa relação. A gente também aprendeu que todos os nossos ídolos, no auge de sua glória (e controle de imagem por empresários e agentes, coisa que adolescentes de 12/13 anos não pensam sobre) usaram um anel de pureza (o famoso!), rezando de pé junto que sexo só depois do casamento, numa vibe Eu Escolhi Esperar americano, que fazia nossas mães darem graças a Deus e nossos pais ficarem silenciosamente satisfeitos. Aconteceu de termos perdido a construção de um espaço confortável pra debater sobre enquanto estávamos crescendo e, depois de grande, fica difícil estabelecer um safe space que te passe a confiança necessária pra compartilhar algo que tu nunca nem reconheceu que acontecia com os outros, imagine contigo, pra começar.

Em uma conversa que tive esses dias com uma amiga, a gente falou sobre esse medo e tabu que rodeia o assunto sexo, que te faz abaixar o tom de voz sempre que tu vai falar sobre isso com outra pessoa e que te obriga a soletrar s-e-x-o pra tentar dar um eufemismo na palavra. Falam mais do fato de ser um tabu do que do próprio assunto, pra que ele deixe de ser tabu. ("Putzzz a gente tem que quebrar esse tabu!!!" - e continuamos não falando sobre.) A gente foi regido nessa ideia que entrelaçava sexo com religião, vide o anel de pureza abençoado pelo pai dos Jonas Brothers que era um pastor de igreja, o que colocava um receio inicial em qualquer um que tentasse ter coragem o suficiente de iniciar o assunto. E isso foi sempre mais visível nas meninas, embora eu não saiba muito bem como se dá uma conversa só de caras que estão reunidos juntos numa roda (e Deus me livre, nem quero).

Meu ponto, porém, é que as pessoas tem um receio absurdo de falar das próprias experiências e isso priva outras pessoas de terem uma noção inicial sobre uma situação que provavelmente elas vão passar também. Não sei se é meu modo sem remorso nenhum de falar que sou virgem, casado com meu discurso (que não será reproduzido aqui, mas que eu sempre faço questão de mencionar) de que sexo é superestimado sim e que vocês deviam prestar mais atenção em assexuais, mas seja o que for: eu não tenho problema em ouvir histórias e fazer parte delas. Pelo contrário, foram diversas as situações que amigas minhas chegaram pra falar que tinham perdido a virgindade e ficou só por isso. Eu entendo os limites da privacidade de qualquer pessoa, mas veja bem, vai além disso: eu não quero que as pessoas se sintam inseguras ou impossibilidades de compartilhar algo que elas querem falar, simplesmente porque elas não sabem como falar.
 

Só ajuda a corroborar as ideias errôneas que a gente cultiva a vida inteira. A ideia de que "virgindade" é algo relacionado a pureza que é tirada por um pênis, a ideia de que ser virgem depois dos 20 é um atraso que não pode ser aceitado ou mencionado JAMAIS, julgamentos errôneos relacionados a quem simplesmente não se atrai por sexo do jeito convencional e até zoação demais com quem escolhe esperar até o casamento... O anel da pureza dos Jonas hoje em dia é mais falso que nota de 3 reais, mas conheço incontáveis pessoas que convivem comigo que gostam da ideia de se guardar pra alguém e não merecem o walk of shame ou os questionamentos de "não pode ser verdade". Respeitem o tempo e a decisão das pessoas, nem todo mundo funciona como você.

Eu não mudaria meus debates sobre artistas da Disney enquanto crescia de jeito nenhum. Mas, se as coisas fossem um pouco mais leves e levadas de maneira simples, eu provavelmente teria crescido com uma visão diferente. As fotos nuas da Vanessa Hudgens não teriam sido motivo de tanto slut-shaming da minha parte, os boatos de um possível vídeo da Miley e do Nick transando não teriam me traumatizado e, no geral, os ícones teens crescendo não teriam causado tanta comoção. (Lembrar: Miley Cyrus lançando o clipe de Can't Be Tamed, Demi Lovato saindo descabelada da casa do Wilmer de manhã cedo, Taylor Swift insinuando que transava {meu Deus!!!} com determinado namorado em música x, Zac Efron derrubando uma camisinha do bolso no tapete vermelho de uma premiere, Britney Spears não sendo mais a garota santa que dizia esperar até o casamento pra transar com o Justin Timberlake. Todos esses fatos citados foram manchete de revista.)

Eu sou fã demais de lidar com as coisas da forma mais natural possível e de ouvir o que quer que seja que as pessoas se sintam confortáveis pra compartilhar, porque eu gosto de aprender, e do ponto de vista de outra pessoa, melhor ainda. Eu ficava desconfortável não com meu amigo falando que só tinha tido relações com outro cara fazendo papel de passivo, mas sim com o clima pesado que isso gerava na roda de amigos em que estávamos, o que levava a alguém ser obrigado a falar "enfimmmmmm........" pra conversa tomar outro rumo, como se o garoto tivesse que se sentir culpado ou envergonhado por querer compartilhar algo que no momento ele se sentiu confortável o suficiente pra compartilhar.

 

O novo bar da Mia (Swier? Von Glitz?) e do Darren, pelos artigos que li antes da inauguração, tem essa premissa de ser o lugar em homenagem àquela sua avó ou tia boca suja que se sustentava em piadas infames e no que sua mãe gostava de dizer que era "imoralidade". Com um aviso neon na entrada dizendo "come inside me" e nomes de drinks sugestivos, muita gente sentiu uma ofensa pessoal a existência de um bar sustentado na natureza de insinuações. É quase a mesma coisa que acontece durante Contact em Rent, cena que representa a intimidade de todos os casais da peça e *spoiler* a morte precoce da Angel, que vai resultar na separação e frustração de todos eles. Ver essa cena ao vivo pode ser completamente desconfortável. Felizmente, as melhores artes são desconfortáveis mesmo. É um sentimento de estranheza e algo que te dá vontade de não olhar diretamente, porque parece que não deveria-se estar vendo ou ouvindo aquilo por ser uma invasão de privacidade terrível. Gosto como eles cutucam e estão cientes do desconforto que vão causar, porque o objetivo é esse mesmo. E às vezes é gratificante passar por cima do nosso próprio desconforto e pensar "mano, normal, tá tudo bem". A gente tem umas coisas mais pesadas pra se envergonhar.

Eu acho que as crianças de hoje com seu Sou Luna e novelas do SBT com Larissa Manoela não vão entender o estresse que era viver numa época que a gente tinha que saber tudo que tava acontecendo com a golden era da Disney, quando a internet era discada e qualquer fake news era real demais. Namoro de Maisa nenhum vai anular o choque que era sair foto de todos eles juntos em algum Teen Choice, sendo que os tabloides estavam escorrendo tretas silenciosas envolvendo os mesmos nomes que eram só sorrisos em noite de premiação. Ahhh, a simples vida do jovem que só se preocupava em saber se a Demi e o Joe iam namorar ou não, mesmo o Joe tendo a imagem de babaca que terminava um namoro via ligação de 27 segundos (pobre Taylor Swift, eu acho sinceramente que os traumas dela do passado refletem na pessoa que ela é hoje).

Hoje em dia as polêmicas envolvendo a Bella Thorne simplesmente não são boas o suficiente.

Fiz essa newsletter (vocês notaram?? o intervalo pequeno entre letters??) com o simples e único objetivo de colocar em perspectiva que a gente ainda é muito besta lidando com coisas que na nossa cabeça são segredos de estado mas que na realidade fazem muita falta pela ignorância que o não-falar pode resultar.

No mais, fiquem com gifs icônicos da Miley cantando 7 Things com a Selena, música comprovadamente feita pra criticar o Nick que meteu as duas nesse triângulo amoroso que a gente tanto amava acompanhar.


até a próxima, deni out. 🌻