Happier Than Ever e SOUR são, essencialmente, o mesmo álbum

 

Os últimos anos da cena pop musical tem surpreendentemente sido um De Volta Aos Clássicos, o retorno de uma trend esquecida nos anos 2000 como uma calça jeans velha de cintura baixa. Adolescentes nunca pararam de fazer músicas sobre adolescentes, mas a celebração disso se perdeu no tempo, junto com fim da hype dos filmes Crepúsculo, só para voltar agora, na era do streaming e grupos de k-pop. Felizmente, a receptividade dessa cultura por vezes ridicularizada na figura da maior entidade do showbiz (a fangirl), hoje se consolidou em algo que toca tanto no rádio quanto nas trends do TikTok. Não importa o conteúdo ou o meio, ele vai chegar até você. 

Ouvi falar de Billie Eilish pela primeira vez depois da minha própria adolescência, quando ela ainda tomava Leite Ninho para dormir. CATORZE anos era a idade dela, quando a minha já era dezenove, e sempre foi fascinante, mas assustador, conhecer o trabalho profissional de pessoas mais jovens do que eu. Agora já tenho que fazer as pazes com o fato de que todas as novas aparições no universo musical, muito provavelmente, serão mais jovens do que eu - uma lembrança constante do meu próprio fracasso em não conseguir montar minha banda de garagem aos 12. Billie, naquela época, não tinha cabelo verde nem um álbum aclamado pela crítica ainda, mas seu nome constantemente aparecia em playlists e em círculo de amigos que gostavam de ouvir o que ninguém estava ouvindo.

Olivia Rodrigo não teve o privilégio que Billie Eilish teve - de surgir aos poucos, de caminhar lentamente até se estabilizar como um grande nome. Lembro que em algum ponto de 2021 pessoas foram dormir sem saber quem Olivia Rodrigo era, só para acordar no outro dia sem conseguir evitar de aprender a ponte de Drivers License nas primeiras cinco horas do dia, um looping eterno do mesmo vídeo, quando a Internet só falava da mesma coisa. E, por essa música em específico, e pelo instantâneo sucesso que ela teve, planos de EPs foram atualizados para a produção de um álbum inteiro no lugar - o que, honestamente, é genial, do ponto de vista econômico. Billie Eilish, aos 14-15 anos, teve alguns EPs feitos no porão da própria casa para chamar de seu, para integrar playlists de indie alternativo de alguma radfem. Olivia Rodrigo foi arrancada do próprio tecladinho de sua sala de estar para um estúdio de fazer dinheiro - o que é até injusto comparar, porque Olivia não tem um irmão que faz produções musicais num Macbook. Ainda assim ela entregou o SOUR, álbum de maio desse ano, responsável por mantê-la do topo de lista X com números Y etc etc adayada, insira aqui coisas e termos e números e recordes que eu não faço ideia do que significam. 

SOUR tem uma visão bem clara do que deseja (e consegue) passar: o conflito, a insegurança, a incerteza e a chatice da adolescência, quando você já tem consciência que faz tempestade em copo d'água, mas não é maduro o suficiente para racionalizar isso ainda - exceto em música. Foi quando Billie lançou seu segundo álbum (que por muitos é um lançamento amaldiçoado, depois que você ganha um Grammy com o primeiro), Happier Than Ever, que me ocorreu: ambos os álbuns são literalmente sobre as mesmas coisas. O conflito, a insegurança, a incerteza e a chatice, só que vistas em positivo e negativo, o mundo invertido de um Stranger Things musical.

SOUR abre com a que potencialmente é a melhor música do álbum, brutal, milimetricamente calculada para abraçar o momento da vivência de todo jovem em que o único desejo é gritar e falar que tudo é uma merda, quebrar guitarras imaginárias e usar lápis de olho para demonstrar luto espiritual no nosso niilismo adolescente. A música inteira é do ponto de vista de um dia que todos nós já vivemos, quando o café de casa acabou, o ar condicionado da sala de aula pifou, sua melhor amiga não te deu bom dia, você bateu o carro no meio fio ou seu chefe te pediu para ir no dia de folga. É um sentimento que ultrapassa gerações e vivências, muito embora esteja sendo cantado e representado por uma adolescente. A sonoridade remetendo ao pop punk de Avril Lavigne antes de ser substituída é só mais uma prova disso - uma mensagem atemporal, num som nostálgico, gritado por uma voz recente. brutal é a insatisfação com todas as esferas da sua vida, descontando isso no menor dos detalhes para não ter que lidar com a figura geral: eu NÃO sei estacionar um carro, eu NÃO tenho amigos, eu SOU BURRA, eu SOU ANSIOSA, eu QUERO DESAPARECER.  

A música que abre seu álbum-irmão mais novo, Happier Than Ever, grita as mesmas coisas - mas sem gritar. Getting Older começa o álbum com as mesmas perspectivas, as mesmas ansiedades, os mesmos medos, e se atendo aos mesmos minúsculos detalhes da vivência humana - mas o faz num sussurro. Getting Older é uma música de quase um acorde só, sempre no mesmo tom, uma monotonia que só o sentimento de estar completamente estagnado na própria vida pode passar. É até tedioso ouvir as mesmas notas por 4 minutos, até que faz o total sentido ser assim: essa frustração de esperar que algo aconteça na música é exatamente a mesma frustração de esperar que algo mude na sua vida enquanto você reclama dela. Enquanto sua irmã mais velha, brutal, trata das mesmas questões de maneira agressiva e até imatura, tendo que gritar para conseguir ventilar a própria frustração, Getting Older já está tão acostumada com ela que não se dá ao trabalho de desperdiçar mais uma gota sequer de energia. 

Enquanto brutal fala coisas como "tô tão exausta que quero me demitir / pra começar uma vida nova / mas todos vão ficar tão desapontados / porque quem sou eu, se não estou sendo explorada?", Getting Older devolve dizendo "coisas que eu antes gostava / só me mantêm empregada agora / coisas que eu anseio / logo, logo vão me deixar entediada" - o que é uma temática engraçada para tratar em álbuns adolescentes porque O QUE ESSAS GAROTAS SABEM SOBRE EMPREGOS COMUNS? Mas ainda assim. Quando brutal fala que deseja já ter feito isso antes, Getting Older menciona que gostaria de pelo menos saber que estaria fazendo isso sozinha. Quando brutal grita "CARALHO, ESTOU CANSADA DE TER 17 ANOS", Getting Older já inicia dizendo, em um sussurro, que acha que está envelhecendo bem. Ambas se sentem rejeitadas, ambas se sentem incompreendidas, ambas sentem a necessidade de inventar uma personalidade mais interessante e mais divertida do que a realidade - exceto que brutal faz isso com a delicadeza de dois sóis explodindo, e Getting Older faz com uma melancolia de quem já tentou o suficiente para saber quando parar de tentar. 

As duas músicas tem tanto a mesma atmosfera que brutal termina com um suspiro cansado de quem já colocou tudo para fora sem nem atingir a ponta do iceberg: Meu Deus, nem sei por onde começar... é a frase que dá o pontapé inicial na porta de sentimentos de Olivia Rodrigo para toda a experiência sentimental do SOUR, o momento que ela te chama para dentro da história. Getting Older encerra na mesma premissa, quando a última frase que Billie canta é "tive uns traumas, fiz coisas que não queria, tava morrendo de medo de falar para vocês, mas acho que a hora é essa". As irmãs terminam exatamente da mesma forma, dando a brecha para que o resto do álbum entre e conte sua história, como a abertura de um musical de história falada, como páginas de um livro encantado que você é levado para dentro e alguém tem de continuar lendo para ver o que acontece com você. Como em Xuxa: Abracadabra. 

Ambos os álbuns são em formato story-telling, Billie e Olivia tentando te contar uma história com o limite de palavras que elas puderam ter dentro de uma composição. São dois lados da mesma moeda, um SOUR geminiano e um Happier Than Ever leonino. O que define o tom de ambas as narrativas é a forma como elas contam pedaços do que, no final do dia, é a mesma história: um coração partido e o medo de envelhecer. 

Olivia continua contando sua história com traitor, uma balada sobre ter sua confiança traída por alguém que talvez nem soubesse que era confiado dessa forma, um sentimento quase que infantil, como ciúmes de namoradinho de escola. I Didn't Change My Number, o primeiro capítulo da história de Billie, muito embora soe mais adulta e madura que sua associada, tem a mesma mensagem: "não respondi sua mensagem porque tô puta", um sentimento igualmente infantil, mas com uma percepção de superioridade maior. Enquanto a primeira abraça o sofrimento como algo dela, a segunda o renega e faz pouco caso da péssima habilidade que tem em se comunicar. O tom que Billie decide usar em seu álbum, na verdade, segue essa mesma premissa sempre: estou sofrendo, mas sou maior que tudo isso, e você é um merda - ao passo que Olivia prefere escrever sinfonias no piano que moldam seu sentimento de maneira a gerar mais sofrimento, para assim ser curada. 

Em HTE, Billie deixa claro que seu método de tentar superar o que quer que tenham feito com ela é se colocar acima da dor - acima de todo mundo, na verdade. É o que ela debocha em Lost Cause Therefore I Am, por exemplo, se tornando indisponível não só para o amor romântico, mas também para relações interpessoais de qualquer gênero, se fechando em suas próprias paredes, boas demais para todo o resto. Olivia devolve no seu outro lado da moeda com músicas como 1 step foward, 3 steps back, enough for you e happier, músicas parecidíssimas em ritmo e letras, que é o que acontece quando se escreve três músicas sobre a mesma coisa. Com elas, Olivia repete e repensa no que já foi e no que poderia ter sido, ocupada demais com sua obsessão no que deu errado para notar que está se agarrando em algo que já perdeu, só para não ter que lidar com o fim disso. Enquanto Billie finge abrir mão e deixar ir da maneira mais blasé que consegue demonstrar, Olivia não nega ainda nutrir saudade do que não mais será. Billie não demonstra ter saudades, só ressentimento. Olivia demonstra ter os dois - a fusão de ambos, inclusive, acontece em deja vu.

É uma dicotomia interessante se analisada a primeira música de ambos os álbuns. Getting Older era a música e o entendimento que dava brecha para as músicas seguintes do álbum de Olivia, ao mesmo tempo que brutal era a brecha perfeita para o tom magoadamente desinteressado das demais músicas do Happier Than Ever. Parece que ambas decidiram começar em uma entonação e terminar em outra, ou simplesmente tinham sentimentos complexos demais para se ater a um só. 

É claro que quem fala de dor também fala de amor. Onde já se viu adolescente que não canta sobre estar apaixonado? Enquanto Billie, ao usar de seus (poucos) anos a mais, escolhe fazer isso de forma mais sexual, Olivia se mantem nas rédeas do romantismo Disneyano - que, não por nada, foi onde ela foi apresentada ao mundo. Halley's Comet, provavelmente a única balada do Happier Than Ever, entrega uma Billie acompanhada de um piano forte o suficiente para soar como Can't Help Falling In Love do Elvis Presley - que, propositalmente ou não, também é do que a música se trata. Essa é a composição e letra mais crua do álbum inteiro, e te pega desprevenido por ter um interlude dentro da própria música, uma melodia que parece as composições de La La Land. É uma música que passeia por várias atmosferas, vários meios, assim como o sentimento da qual ela trata: "já fui amada antes / mas nesse exato momento / sinto cada vez mais / como se tivesse sido feita para você". É uma delícia de música, mas sempre com um sentimento melancólico por trás, como se você confessasse seu amor sabendo que algo vai dar errado no final. 

O mesmo sentimento Olivia entregou em favorite crime, uma das mais românticas do álbum, muito embora trate sobre um término. Ao contrário do tom de todas as outras baladas de SOUR, essa toca em uma ferida diferente, uma vez que fica claro que o erro, nesse relacionamento específico, foi mútuo. Não foi Olivia sendo machucada unilateralmente como relata as outras, mas sim duas pessoas se machucando juntas, mesmo que sem querer. Dá a entender que ambas as partes fizeram coisas questionáveis em nome de ficarem juntas, e, mesmo com tudo acabando, a história permanece. As harmonias dessa música te elevam a uma atmosfera musical semelhante à Halley's Comet, como se você deixasse de ser humano por 2 minutos para virar só um coração pulsante de sentimentos, cantarolando "mas digo que te odeio com um sorriso no rosto" e depois gritando a todo pulmão "TUDO QUE EU FIZ SÓ PRA TE CHAMAR DE MEU"!

Billie Eilish nomeou o álbum de Happier Than Ever por um motivo: ela sabia que Happier Than Ever, a música, era sua maior carta na manga. Parece que ela levou o percurso do álbum inteiro para conseguir colocar para fora o que realmente estava sentindo: e essa música é isso, cada letrinha dela. Decomposta em três fases, a música entrega um sentimento que vai crescendo e crescendo e crescendo, ficando cada vez mais alto e mais honesto até explodir em sons escancarados, que só não cabiam nas músicas anteriores, e por isso ela não o fez. Por isso ela aguardou a construção gradual dessa. Pela primeira vez, Billie Eilish gritou, porque sussurrar não parecia o suficiente para grandiosidade de um coração ferido. De longe minha favorita do álbum, tudo que ela andou e falou até aqui culmina nos últimos 60 segundos dessa música - quando você ferve o suficiente para inundar uma cozinha de água quente. Olivia entregou sua semelhante antes mesmo do lançamento do álbum, em seu single drivers license, o que provavelmente é o motivo pelo qual esse momento, no contexto do álbum, não parece tão grandioso. Todo mundo já sabia como drivers license soava, como a batida explodia saindo do refrão para a ponte. Ninguém sabia até onde Happier Than Ever poderia chegar. 

Talvez Olivia tenha entregado sensação semelhante em good 4 you, ao dar essa vontade de sair gritando LIKE A DAMN SOCIOPATH! para qualquer pessoa que não é sociopata. Billie fez o mesmo em Happier Than Ever, na terceira parte da música, quando tudo que a gente queria era gritar numa arena cheia de gente JUST FUCKING LEAVE ME ALONE! Happier Than Ever talvez seja a junção de good 4 you e divers license, juntas numa música só e mantidas em segredo lá no finalzinho do álbum, para ser ouvida só no dia do lançamento. 

(Um ode especial à frase YOU MADE ME HATE THIS CITY, antes da quebra no refrão de Happier Than Ever, uma frase que anda de mãos dadas com I LOVE YOU, AIN'T THAT THE WORST THING YOU EVER HEARD? da Taylor Swift e YOU'RE THE ONLY MOTHERFUCKER IN THIS CITY WHO CAN HANDLE ME da St. Vincent.)

A música que encerra um álbum é tão importante quanto a música que o inicia. hope ur ok é a última música do SOUR, uma quebra de expectativa quando você percebe que Olivia não está cantando para o mesmo garoto das 8 canções anteriores - ou está, mas o faz com outra mentalidade. hope ur ok trata de realidades que não são dela, mas ela o faz de maneira genuína e empática. É uma quebra de expectativa porque, para um álbum totalmente sustentado no Olivia-centrismo, escolher fechá-lo com uma carta de amor à pessoas que ama poderia soar deslocado, se não fosse feito com tanto zelo. Pessoalmente, penso que em um álbum tão explosão-sentimental-adolescente, essa faixa carrega as letras mais pesadas e intensas delas. Olivia sutilmente pontua o sofrimento de outros jovens, jovens como ela, mas que sofrem em perspectivas completamente diferentes - e ela o faz tanto de maneira a aproximar seu próprio sofrimento de coração partido como universal como também a afastá-lo de problemas mais sérios, mais pesados, mais longo prazo. hope ur ok termina como esperança entregue numa bandeja, como uma visão artística que consegue ir além dos próprios sentimentos ao absorver outros. 

Billie termina o Happier Than Ever no mesmo tom - não dando espaço para outras questões, mas sim finalmente dando espaço para ela própria. Depois de libertar tudo em Happier Than Ever, a penúltima faixa, Billie já se demonstra honesta o suficiente na última. Male Fantasy desfaz toda a narrativa montada ao decorrer do álbum, em todas as canções que reforçam definitivamente não querer mais nenhum envolvimento com quem te faz mal. Aqui, só no final, Billie se mostra vulnerável o suficiente, depois de gritar seus pulmões para fora, para dizer que "não consigo superar você / não importa o que eu faça / sei que deveria / mas nunca poderia te odiar". Billie confessa, no encerramento do álbum, que tudo que cantou no decorrer dele era só uma persona, tentando fingir até ser verdade, só para concluir que o sentimento não foi embora, não importa o quão alto tenha gritado. Ao contrário de Olivia, que cantou músicas o suficiente sobre seu sofrimento para conseguir encerrar o álbum tratando de um assunto que não esse, Billie passa o álbum inteiro evitando sua própria dor só para, no final, perceber que ela ainda está ali. 

É claro que os dois álbuns tem suas dissonâncias: Olivia fala muito de inveja e ciúmes, sentimentos que provavelmente vêm da sua vida como uma garota anônima - o que ela já não é mais. Provavelmente não serão temas revisitados em seu segundo álbum. Foi o que aconteceu com Billie: por já ser mais experiente no ramo, substituiu tais momentos em seu álbum para tratar de perseguição midiática, stalkers e fama indesejada. Quanto à percepção do público, enquanto Olivia deixa claro que é uma adolescente em crescimento, Billie dá dicas disso, mas prefere se portar como se já tivesse passado dessa fase. Olivia referencia Glee em suas músicas, Billie referencia The Office.

Ainda assim, quão complementares são esses álbuns - ambas lidando com parecidas peculiaridades da juventude de maneira totalmente diferente, atingindo diferentes resultados.

Ai, ai... Quão complementar é a dor humana...

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Nota da Autora: esse texto de forma alguma quer gerar comparação das duas obras de maneira a rivalizar dois trabalhos diferentes, mas sim a apreciar dois belos trabalhos.