bitch i'm back by popular demand

tive uma época que caso vazasse meu histórico do youtube, ele seria só uma lista infinita de todos os lives de crazy in love da beyoncé disponíveis na plataforma, ao ponto que hoje, ouvindo o live do i am... world tour, sei exatamente os passos e momentos da coreografia. depois o fenômeno absurdo que foi single ladies (o marco pra mim da mudança "cantora pop americana comum" pra "Ícone Artístico" - lembrando que sou de uma leva mais nova dessa geração e nem peguei a febre sandy & jr porque era criancinha demais), a figura Beyoncé (com B maiúsculo mesmo, representando santidade) se tornou uma figura canonizada mesmo, alguém que basicamente não existia além da personalidade artística, alguém que era tão intocável que a gente não sabia exatamente quem ela era além da artista que, inevitavelmente, todo mundo conhecia. 

era estranho pra mim que uma das mulheres mais conhecidas e populares do mundo tivesse sido construída quase que com o objetivo de ser inalcançável, moldada numa perspectiva completamente distante da realidade. me pergunto quanto disso foi escolha dela, quanto disso foi resultado da mídia e quanto foi construção alheia em cima de alguém que é simplesmente isso - alguém. é uma enredo conhecido demais, esse de artistas/performers se distanciando da figura real pra deixar à amostra só a personalidade construída especificamente pro entretenimento. a lady gaga fez no começo da carreira, quando todo mundo sabia quem era a doida que usava vestido de carne crua e passava dias presa dentro de um ovo, sendo carregada dentro dele em eventos; a taylor swift faz agora, depois que abraçou a narrativa que tanto a chamou de cobra, falsa e egocêntrica, quase que dizendo um "não me chamaram tanto disso? agora me vejam ser" no último álbum, depois de se retirar quase que completamente do ambiente midiático (são raras ou quase escassas as entrevistas que ela deu ou pronunciamentos pessoais que fez nesse período). 

entre elas e muitas outras, no entanto, a beyoncé me parecia a menos humana. não de um jeito ruim, nunca senti que faltasse autenticidade ou conexão pessoal no trabalho dela, pelo contrário. eu só achava que ela era perfeita demais pra existir no mundo real, no nosso mundo - assim como um dia já achei que a lady gaga era excêntrica demais pra ser um ser humano comum. o que documentários como homecoming e five foot two me trouxeram foi a afirmação do óbvio: elas eram, sim, reais. mostrar isso só ficava mais difícil quando todo um público global esperava de você certo comportamento, ou certa perfeição que, na prática, elas suavam e choravam e sentiam dor e iam a extremos inimagináveis pra conseguir atingir. 


vendo as performances do beychella, meu cérebro explodia pensando em como uma mulher de carne e osso como eu tinha a capacidade de mover o corpo daquele jeito, ao mesmo tempo que alcançava todas as notas e mantinha uma atitude no palco que era quase obviamente superior à todos os outros seres viventes - isso sem falar, é claro, de lembrar todas as letras, acertar as marcas no palco pra filmagem ficar certa, interagir com o público e com os dançarinos. vendo o produto final, é muito fácil a gente se deixar levar pra uma fantasia irreal de que aquilo é um nível de perfeição que só Ela tem, e só Ela, a Intocável e Inalcançável, faz. e talvez seja só ela que faça mesmo, na nossa indústria atual, mas ela não faz por ser absolutamente perfeita ou ter super poderes. é brabo engolir a ficha de que a beyoncé não é uma super humana.

não que eu merecesse que a bey me provasse alguma coisa, mas os bastidores de homecoming me provaram, sim, que ela é gente. acredite ou não, ela não nasceu sabendo a rotina de formation e, chocante!, durante os ensaios ela reclamava dos passos complicados, olhava pro dançarino do lado quando esquecia algo, fazia cara feia pro que ela não conseguia fazer e, apesar de tudo, tentava de novo. encontrei também a beyoncé sorridente dos dentes curtinhos, que se faz presente quando conversa com outra pessoa, que faz oração sincera oferecendo toda honra e glória à Deus, que fica feliz demais ao conseguir vestir um figurino antigo ao ponto de ligar pro marido só pra mostrar e depois fazer piada porque "homens não se animam com essas coisas". parecia haver um universo de diferença entre a beyoncé que quebra janelas de carros com um bastão de baiseball e a beyoncé que, de maneira tão vulnerável, compartilha ter chegado aos 99 quilos numa gravidez extremamente de risco que mudou toda a conexão dela com o próprio corpo. 

não é que eu não tenha visto essa beyoncé antes (eu já vi outros documentários e outras raras entrevistas em que ela fala de um ponto de vista pessoal e não o roteiro decorado que o PR oferece pra todos os artistas) - é que eu sentia falta dela. e era muito fácil esquecer que ela existia quando a figura com que eu tinha me acostumado era a personalidade dos palcos, a mulher que responde "obrigada" quando falam "você é a Beyoncé". quase como se a Beyoncé fosse a figura que ela passou anos construindo, e a verdadeira beyoncé estivesse agradecendo por ser vista nEla. 


 

o engraçado disso tudo, dessa personalidade criada pro nosso entretenimento, que a mídia gosta tanto de alimentar (e, sejamos honestos, nós também) é que ela não tem um padrão pra todo mundo. enquanto a beyoncé foi se aproximando cada vez mais desse recurso - ao mesmo tempo que quanto maior o nome dela ficava mais ela se distanciava da visão de ser humano real, a lady gaga por exemplo pegou o caminho inverso e resolveu se distanciar de toda a armadura performática que ela criou por anos, escolhendo um representação mais crua e real dela mesma (vide: joanne, a star is born, o já citado 5 foot 2). no final das contas, é só mais uma forma de expressão e como essas artistas escolhem usá-la. o ponto interessante nem é toda essa questão, muito embora ela seja, sim, interessante demais. o ponto interessante é como a gente é completamente viciado nesse material, e quanto mais enigmático mais sedento a gente fica.

dia desses vi um vídeo da billie eilish (uma dessas personalidades que no momento tá no auge da sua popularidade) em que ela refez a mesma entrevista com 1 ano de diferença, e o vídeo era editado pra mostrar exatamente as diferenças entre esses dois momentos. não era preciso ler os comentários do vídeo pra deduzir sozinha que a mudança nela nesse intervalo de 1 ano era visível: ela já não tinha a mesma inocência, ou a mesma pureza real de uma menina de 16 anos que escolheu compartilhar a própria arte. ela aparentava estar mais cansada, não sorria mais com a mesma facilidade de um ano atrás, e se mostrava claramente emocionada ao se comparar com as filmagens antigas, ao ponto de chegar a perguntar "eu falei mesmo isso? se você ao menos soubesse..."

não tenho propriedade nenhuma pra falar sobre a indústria, ou sobre o que ela pode e faz com pessoas reais - mas, numa visão geral, se ela não fosse completamente controladora, ela não seria tão lucrativa. a própria billie eilish já disse, e eu quoto, que "artistas são os seres mais tristes do mundo". é quase insensível que a gente se divirta tanto em cima disso, e mesmo que inconscientemente trate seres humanos como máquinas que só existem pra nos entreter.

a cultura pop sempre me fascinou porque amo ver pessoas indo além de seus extremos pra fazerem o que mais ninguém está fazendo - e amarem isso. sempre gostei porque era bonito e inspirador demais ver o processo de produção, por exemplo, do homecoming, e ouvir a beyoncé dizendo que deixou a coroa de flores de lado pra colocar cultura negra naquele palco, e todo o cuidado e estudo que ela teve pra executar isso. sempre gostei porque beirava ao absurdo ver a lady gaga fazendo performances com o quadril já quebrado e gritando de dor durante a música, sem falar pra ninguém, porque ela simplesmente se obrigava a terminar a turnê. ainda é intrigante pra mim ver gente que ama tanto exercer a própria arte que se entrega físico e mentalmente pra isso. 

como mencionei antes, não sei até que ponto a culpa é completamente nossa ou da cultura que nos obrigaram a ter - por que, em pleno 2019, como ousas não se divertir ou se importar com o celebridades classe A? como ASSIM você não sabe quem é a kim kardashian? é um comportamento que adoece pessoas reais, a quem a gente passa toda uma vida projetando uma perfeição e heroísmo que não existe. chega a ser uma parada meio epicurista - um tipo de prazer não necessário que a gente gosta de ter mesmo sem precisar, e o tipo de prazer que pra eles vem na forma de fama, prestígio e dinheiro, que no final das contas não leva à liberdade espiritual plena (palavras de epicuro, não minhas - eu queria, sim, dinheiro agora). mas como a gente é humano e humano geralmente é meio otário, toda essa reflexão vai continuar me rondando até eu me ocupar o suficiente pensando em que era a lady gaga vai seguir no novo álbum, ou como a beyoncé parece deus.

no mais, eu já perdi completamente o raciocínio, então meu último objetivo aqui é mandar vocês verem homecoming e absorverem a mensagem feminista e de excelência negra que beyoncé nos deu de graça (ou por 29 reais de assinatura na netflix) em forma de expressão artística. de nada.




*in other news: fiquei tão inspirada que voltei pra cá. esta merda é poderosa.

 



do you slay?
cause i slay.
- d