Sobre ser medíocre em coisas que amo


Eu não consigo ser boa em nada que de fato me importa.

Nada me dói mais do que saber que eu tenho tanto a oferecer, que eu poderia ser tão mais, mas simplesmente não saber como. É o sentimento de abrir uma página e querer vomitar todos os pensamentos que claramente estão ali, mas que não sabem como sair. Pra ser completamente sincera, minha vida parece uma coletânea de páginas e mais páginas abertas no Word, com o contador do número de palavras marcando zero, formado incontáveis capítulos sem conteúdo nenhum, sem nada a oferecer.

Não sei em que ponto da minha formação eu coloquei na cabeça que não bastava ser uma simples admiradora ou que eu não podia só olhar de longe - eu precisava me incluir. Eu precisava me expressar nas formas que eu gostava de ver as coisas sendo expressadas. Minha maior desilusão foi perceber que eu não era boa fazendo isso, em forma nenhuma.

A arte na minha vida sempre foi um divisor de águas muito grande. Era tudo que eu tinha quando criança, desde pequena sempre a mais sujeita à ficar sozinha. Era minha base de estudo quando adolescente, foi o que moldou todos os meus gostos e desejos e o que sempre aumentava minha vontade de conhecer mais e achar que esse mais ainda não era o suficiente. Até então, já era o suficiente pra mim assistir, acompanhar e explorar de longe. Algo mudou ao decorrer desses anos todos, algo que não deixava mais isso funcionar como sempre veio funcionando. Faltava algo - algo que precisava ser feito, não visto. Eu queria produzir e não mais ser apenas a consumidora do produzido.

Tentei me achar de tantas formas que é até vergonhoso listar. A coisa mais dolorosa do mundo, pra mim, é ter consciência de tudo que já tentei começar e concluir que não consegui nada. Esporadicamente algo finaliza ok. Esporadicamente algo que eu fiz, pra minha surpresa, toca alguém. Não é sempre, e eu não me iludo prendendo-me a esses pequenos momentos, porque minha balança sempre vai pesar muito mais pro lado que não deu certo. O que quase deu certo. O que teria dado certo caso eu fosse outra pessoa, ou estivesse em outro momento, ou tivesse outra oportunidade.

Já falei algumas vezes sobre não ser boa nem ruim, só mediana. É algo que eu tomo como verdade, e não seria tão difícil de aceitar de maneira tranquila se eu não fosse eu. No final das contas, tudo se resume nisso: sou eu sendo eu. Ser eu significa sempre querer ser algo a mais, sempre almejar pro mais alto e construir expectativas próprias que jamais seriam alcançadas. Sempre sonhei grande demais pra ações muito pequenas. Foram muitas ideias incríveis mas porcamente realizadas - ou nem isso. Muita vontade de ser algo grandioso mas pouca força de vontade para tal. 

Foram muitos choros desesperados gritando comigo mesma na frustração de não entender porque eu amo tanto e não sou boa em nada daquilo que amo. De sentir demais e não deixar transparecer esse sentir das formas que realmente me importam. Horas e horas seguidas de comparações, me perguntando porque as coisas não eram simples pra mim como era para outros e porque as oportunidades e elogios não caiam no meu prato. E eu nem tenho um prato. O prato que eu tenho é na verdade uma bandeja, servida de textos acadêmicos e doutrinas e legislações que nada tem a ver com o que eu de fato queria estar produzindo. Olhar pra isso e notar que minha realidade é totalmente diferente do que eu passei a vida inteira planejando, mesmo sem rumo, é a pior parte. 

Não é como se eu estivesse implorando por atenção ou pedindo pelo amor de Deus que valorizem meu trabalho. É sobre simplesmente desejar que existisse um trabalho. Que me importasse. Que fosse além de petições genéricas e nome de reclamante contra nome de reclamado. Que fosse sobre fazer algo que vem do sentimento, e que parte pra outro sentimento, e que pode tocar outras pessoas em sentimentos totalmente diferentes do inicial. É um processo muito difícil aceitar que o que você faz de melhor é o genérico que funciona na rotina do escritório que cheira a café e que tem todos os dias iguais entre si - e que o que você realmente gostaria de estar fazendo talvez não seja pra você. 

Sair dessa bolha da mania de fuga, de querer ser outra pessoa com outros talentos e outras oportunidades, é um processo difícil. Não é fácil colocar em perspectiva, pela primeira vez na vida adulta, o que é pra você e o que não é, o que funciona e não funciona. Ver que as respostas são totalmente diferentes daquelas que você tomou como verdade te faz repensar todos os questionamentos que você mesma criou. 

A ideia do que seria talento é uma coisa engraçada. Alguns dizem que se nasce com ele, outros falam que é puro processo e aprendizagem. Nesse meu tempo de vida eu não consegui desenvolver em nenhuma das duas formas, então talvez simplesmente não seja pra mim. Não esse, não do jeito que eu queria que fosse. E nós (como diria Elis Regina: que somos jovens) temos um problema sério em não saber lidar com as situações quando descobrimos que elas não estão seguindo do jeito que pensamos que elas seguiriam. Mas tá tudo bem. Tá tudo bem aceitar isso e se procurar em outro lugar, começar de novo e definir outras prioridades - só é outro longo, tumultuado processo. Mas tá tudo bem. Se eu repetir mais uma vez, talvez eu e você consigamos acreditar nisso.

O que eu sei (ou espero) é que tem mais coisa nesse mundo afora. Admiro tanto todo mundo que já se descobriu. Mas ainda choro ao pensar que as certezas que eu tinha sobre o que era certo pra mim já não existem mais. Talvez seja a mesma história da felicidade: é sobre o processo, o caminho, e não sobre um lugar para se chegar. Não é o que dizem? A gente só precisa descobrir antes qual realmente é o nosso caminho.

Sigo na procura do processo.

 




 



Nota, de mim pra mim mesma, com palavras que eu gostaria de ouvir numa atitude dramática de ser meu próprio Sebastian: tá tudo bem ser uma dessas pessoas. Que tem sonhos gigantes e de repente percebe que simplesmente são gigantes demais pra alguém tão pequeno quanto você. Tá tudo bem mesmo. As coisas se dão de maneiras diferentes. O que nos espera ou o que nos convém nem sempre podem ou devem ser nossos sonhos mais doidos. Se fosse fácil assim, a gente não chamaria de sonho. Só não esqueça de sonhar. Ainda pode ser algo seu. Ainda pode ser algo que funciona pra você, mas não do jeito que você quer que seja.

Mas ainda é seu. 

 


 
com amor - e dor. mas sempre com amor,
d🌻