Bolo à beira do oceano com pássaros e abelhas

ATENÇÃO!!!

Essa newsletter é aquele ponto na carreira que toda artista tem ou é forçada a ter. Aquele ponto Britney pós anos 90, depois de Baby One More Time e aparecendo no palco com uma cobra nos ombros pra dançar Slave 4 U. Quando a máscara de boa moça fica meio turva pela ideia de "Good Girl Gone Bad" que é um prato cheio pra mídia lucrar em cima. Hoje a gente vai ter um assunto peculiar ("você não entenderia"), tentando tirar os tons de cinza do meio porque eu não aguento mais ficar no cinza e quero, finalmente, preto no branco.

  

Uma vez, no meio de um debate entre amigos sobre certa situação com sexo no meio, me falaram que eu não tinha como debater ou expressar meu ponto porque eu era da "geração Disney" e que automaticamente eu iria falar com meu modo ingênuo de ver mundo ou romantizaria o que não era pra ser romantizado. Na hora não me abalei muito, já que não conseguia calcular a relação entre comentar um caso público que estava em todos os jornais da época e o fato de que eu via Boa Sorte, Charlie todo dia, 22:30, na antiga programação do Disney Channel, antes de dormir.

Foi só muito tempo depois desse acontecimento que eu parei de fato pra refletir o que significava ser "geração Disney". A gente - eu e meus amigos, nesse contexto - cresceu acompanhando o mundo pop adolescente (que hoje é só mundo pop mesmo, porque ninguém é sensação teen pra sempre), onde estávamos mais interessados em debater o episódio novo de iCarly (que não era da Disney, mas vocês entendem que Disney aqui é um estado de espírito e não uma empresa, certo?) e se o Nick Jonas tava com a Miley ou a Selena. A gente também tinha que acompanhar o maior bafo da época: a gravidez adolescente da irmã da Britney Spears, que basicamente nos obrigava a comprar revistas Capricho. Revistas essas que, posteriormente, nos dariam detalhes sobre a Demi Lovato surtando e indo pra rehab.

Conforme fui crescendo e fui me inserindo em outros ambientes, o foco das conversas foram mudando. Não reclamo, era normal e natural ter uma mudança de perspectiva com o passar do tempo e o envelhecimento das pessoas em questão. Mas como é normal num grupo grande com meninas e meninos que cresceram juntos e estão entrando na juventude juntos, a conversa gradativamente foi mudando de Hannah Montana pra Gossip Girl pra beijo na boca pra namoro sério pra sexo.

Eu sempre tive uma relação muito aberta e tranquila com meus amigos mais próximos, daquelas que a gente não tem papas na língua pra falar o que a gente tá pensando por mais aleatório ou idiota que parecesse. Mas sempre notei que a gente não sentia essa liberdade toda pra falar sobre sexo, ou qualquer outra coisa envolvendo sexualidade: um comentário raramente sobre situação x, um anúncio rápido de "não sou mais virgem!!11!" ou um "vou chamar a fulana lá pra casa na sexta e vai dar certo" - esse último sempre saindo da boca de um menino, que nunca se incomodava de mencionar a própria rotina sexual, enquanto minhas amigas se seguravam tanto pra dar a menor quantidade de detalhes possíveis.

 

A relação que eu achei com a geração DisneyTM e isso, foi que a gente cresceu condicionada a debater o fato de que, MEU DEUS, Jamie Lynn Spears tava grávida aos 16 anos e isso era um choque!!!! Mas nunca passou por nossa cabeça reconhecer que sim, meninas de 16 anos fazem sexo em qualquer lugar do mundo, ou debater as consequências da falta de preservativo numa relação. A gente também aprendeu que todos os nossos ídolos, no auge de sua glória (e controle de imagem por empresários e agentes, coisa que adolescentes de 12/13 anos não pensam sobre) usaram um anel de pureza (o famoso!), rezando de pé junto que sexo só depois do casamento, numa vibe Eu Escolhi Esperar americano, que fazia nossas mães darem graças a Deus e nossos pais ficarem silenciosamente satisfeitos. Aconteceu de termos perdido a construção de um espaço confortável pra debater sobre enquanto estávamos crescendo e, depois de grande, fica difícil estabelecer um safe space que te passe a confiança necessária pra compartilhar algo que tu nunca nem reconheceu que acontecia com os outros, imagine contigo, pra começar.

Em uma conversa que tive esses dias com uma amiga, a gente falou sobre esse medo e tabu que rodeia o assunto sexo, que te faz abaixar o tom de voz sempre que tu vai falar sobre isso com outra pessoa e que te obriga a soletrar s-e-x-o pra tentar dar um eufemismo na palavra. Falam mais do fato de ser um tabu do que do próprio assunto, pra que ele deixe de ser tabu. ("Putzzz a gente tem que quebrar esse tabu!!!" - e continuamos não falando sobre.) A gente foi regido nessa ideia que entrelaçava sexo com religião, vide o anel de pureza abençoado pelo pai dos Jonas Brothers que era um pastor de igreja, o que colocava um receio inicial em qualquer um que tentasse ter coragem o suficiente de iniciar o assunto. E isso foi sempre mais visível nas meninas, embora eu não saiba muito bem como se dá uma conversa só de caras que estão reunidos juntos numa roda (e Deus me livre, nem quero).

Meu ponto, porém, é que as pessoas tem um receio absurdo de falar das próprias experiências e isso priva outras pessoas de terem uma noção inicial sobre uma situação que provavelmente elas vão passar também. Não sei se é meu modo sem remorso nenhum de falar que sou virgem, casado com meu discurso (que não será reproduzido aqui, mas que eu sempre faço questão de mencionar) de que sexo é superestimado sim e que vocês deviam prestar mais atenção em assexuais, mas seja o que for: eu não tenho problema em ouvir histórias e fazer parte delas. Pelo contrário, foram diversas as situações que amigas minhas chegaram pra falar que tinham perdido a virgindade e ficou só por isso. Eu entendo os limites da privacidade de qualquer pessoa, mas veja bem, vai além disso: eu não quero que as pessoas se sintam inseguras ou impossibilidades de compartilhar algo que elas querem falar, simplesmente porque elas não sabem como falar.
 

Só ajuda a corroborar as ideias errôneas que a gente cultiva a vida inteira. A ideia de que "virgindade" é algo relacionado a pureza que é tirada por um pênis, a ideia de que ser virgem depois dos 20 é um atraso que não pode ser aceitado ou mencionado JAMAIS, julgamentos errôneos relacionados a quem simplesmente não se atrai por sexo do jeito convencional e até zoação demais com quem escolhe esperar até o casamento... O anel da pureza dos Jonas hoje em dia é mais falso que nota de 3 reais, mas conheço incontáveis pessoas que convivem comigo que gostam da ideia de se guardar pra alguém e não merecem o walk of shame ou os questionamentos de "não pode ser verdade". Respeitem o tempo e a decisão das pessoas, nem todo mundo funciona como você.

Eu não mudaria meus debates sobre artistas da Disney enquanto crescia de jeito nenhum. Mas, se as coisas fossem um pouco mais leves e levadas de maneira simples, eu provavelmente teria crescido com uma visão diferente. As fotos nuas da Vanessa Hudgens não teriam sido motivo de tanto slut-shaming da minha parte, os boatos de um possível vídeo da Miley e do Nick transando não teriam me traumatizado e, no geral, os ícones teens crescendo não teriam causado tanta comoção. (Lembrar: Miley Cyrus lançando o clipe de Can't Be Tamed, Demi Lovato saindo descabelada da casa do Wilmer de manhã cedo, Taylor Swift insinuando que transava {meu Deus!!!} com determinado namorado em música x, Zac Efron derrubando uma camisinha do bolso no tapete vermelho de uma premiere, Britney Spears não sendo mais a garota santa que dizia esperar até o casamento pra transar com o Justin Timberlake. Todos esses fatos citados foram manchete de revista.)

Eu sou fã demais de lidar com as coisas da forma mais natural possível e de ouvir o que quer que seja que as pessoas se sintam confortáveis pra compartilhar, porque eu gosto de aprender, e do ponto de vista de outra pessoa, melhor ainda. Eu ficava desconfortável não com meu amigo falando que só tinha tido relações com outro cara fazendo papel de passivo, mas sim com o clima pesado que isso gerava na roda de amigos em que estávamos, o que levava a alguém ser obrigado a falar "enfimmmmmm........" pra conversa tomar outro rumo, como se o garoto tivesse que se sentir culpado ou envergonhado por querer compartilhar algo que no momento ele se sentiu confortável o suficiente pra compartilhar.

 

O novo bar da Mia (Swier? Von Glitz?) e do Darren, pelos artigos que li antes da inauguração, tem essa premissa de ser o lugar em homenagem àquela sua avó ou tia boca suja que se sustentava em piadas infames e no que sua mãe gostava de dizer que era "imoralidade". Com um aviso neon na entrada dizendo "come inside me" e nomes de drinks sugestivos, muita gente sentiu uma ofensa pessoal a existência de um bar sustentado na natureza de insinuações. É quase a mesma coisa que acontece durante Contact em Rent, cena que representa a intimidade de todos os casais da peça e *spoiler* a morte precoce da Angel, que vai resultar na separação e frustração de todos eles. Ver essa cena ao vivo pode ser completamente desconfortável. Felizmente, as melhores artes são desconfortáveis mesmo. É um sentimento de estranheza e algo que te dá vontade de não olhar diretamente, porque parece que não deveria-se estar vendo ou ouvindo aquilo por ser uma invasão de privacidade terrível. Gosto como eles cutucam e estão cientes do desconforto que vão causar, porque o objetivo é esse mesmo. E às vezes é gratificante passar por cima do nosso próprio desconforto e pensar "mano, normal, tá tudo bem". A gente tem umas coisas mais pesadas pra se envergonhar.

Eu acho que as crianças de hoje com seu Sou Luna e novelas do SBT com Larissa Manoela não vão entender o estresse que era viver numa época que a gente tinha que saber tudo que tava acontecendo com a golden era da Disney, quando a internet era discada e qualquer fake news era real demais. Namoro de Maisa nenhum vai anular o choque que era sair foto de todos eles juntos em algum Teen Choice, sendo que os tabloides estavam escorrendo tretas silenciosas envolvendo os mesmos nomes que eram só sorrisos em noite de premiação. Ahhh, a simples vida do jovem que só se preocupava em saber se a Demi e o Joe iam namorar ou não, mesmo o Joe tendo a imagem de babaca que terminava um namoro via ligação de 27 segundos (pobre Taylor Swift, eu acho sinceramente que os traumas dela do passado refletem na pessoa que ela é hoje).

Hoje em dia as polêmicas envolvendo a Bella Thorne simplesmente não são boas o suficiente.

Fiz essa newsletter (vocês notaram?? o intervalo pequeno entre letters??) com o simples e único objetivo de colocar em perspectiva que a gente ainda é muito besta lidando com coisas que na nossa cabeça são segredos de estado mas que na realidade fazem muita falta pela ignorância que o não-falar pode resultar.

No mais, fiquem com gifs icônicos da Miley cantando 7 Things com a Selena, música comprovadamente feita pra criticar o Nick que meteu as duas nesse triângulo amoroso que a gente tanto amava acompanhar.


até a próxima, deni out. 🌻