(publicação original em 26 de julho de 2017)Lá pela metade do ensino médio, escrever textos e publicá-los na zona vermelha (conhecida como Facebook) não me deixava desconfortável. Talvez minha ansiedade não fosse tão parte de mim como é hoje, sem a preocupação do "ninguém-deve-saber-o-que-eu-penso-pra-não-pagar-de-ridícula", mas eu escrevi de textos sobre o meu intercâmbio até relatos emotivos sobre como organizar, ou não, uma equipe de gincana na escola. Meu pai, em uma dessas ocasiões como mero leitor, chegou pra me dar um conselho: "Você escreve muito bem. Deveria pensar em fazer Direito."
Já sendo bem direta, eu não sei onde, como ou por que surgiu o mito que quem escreve automaticamente tem que fazer Direito. Mas naquela época, aquilo fazia sentido na cabeça do meu pai, e começou a fazer sentido na minha cabeça também. A cada livro que eu segurava era um comentário (e, perceba, eu mencionei que isso era pela metade do ensino médio. Na metade do ensino médio as pessoas são LOUCAS e só pensam em cursos e vestibular) que seguia mais ou menos o raciocínio de: "você lê bastante, né? Deveria pensar em fazer Direito, já que gosta tanto de ler". Você, você mesmo, que acredita que tem um bônus oculto ao decidir seguir carreira jurídica previamente já gostando de ler e escrever: eu tenho péssimas notícias.
Lin-Manuel Miranda - que aparentemente vai, sim, ser citado em todas as newsletters enviadas por essa que vos fala-, antes da fama, também teve aquela fase que nós todos conseguimos simpatizar. Aquela de escrever sozinho depois da aula e preferir enfiar a cara num livro a socializar. O pai dele, seu Luis (tenho uma intimidade duvidosa na minha cabeça com a família Miranda), observou de longe e falou o que? "Lin-Manuel, meu filho, você escreve muito bem. Deveria pensar em fazer Direito." Tudo bem, seu Luis não falou nessas exatas palavras, eu só queria um paralelo direto com seu Paulo, senhor meu pai. O que seu Luis realmente falou foi "You're really talented and really creative. You should be a lawyer."
Lin-Manuel, comentando hoje em dia sobre isso, disse que entendia a visão do pai de achar que esse era o caminho mais estável e até seguro pra andar. Eu também entendo. Entendi na conversa com direito a choro e crise existencial que tive com meus pais quando o momento da decisão final de "que curso você vai fazer" finalmente chegou. Não significa que eu já esteja conformada, ou feliz com a escolha que fiz. Ou que fui levada a fazer. Já nem sei. Se alguém quiser jogar Psicologia em mim e dizer que pra seguir em frente nós temos que aceitar e lidar com nossas próprias escolhas, be my guest.
Estar cursando algo que você literalmente não suporta vai além da confusão generalizada de todo universitário que tá 100% o meme do John Travolta em Pulp Fiction. Não tem nada de interessante acontecendo, tudo irrita, todos os livros da estante lidos nos primeiros anos da adolescência não ajudam em nada a compreender um texto acadêmico (era essa a péssima notícia, eu sinto muitíssimo), e os outros livros que ainda não foram lidos vão continuar sem ser lidos porque você não tem tempo pra eles. Aquela história do "leia bastante e faça curso x"? Faça curso x e não leia nunca mais. Meus textos falando sobre sentimentos também não me foram úteis quando tive que produzir um artigo logo no primeiro semestre da faculdade sem nem saber o que era norma ABNT.
Longe de mim chegar aqui em vossos emails pra falar mal do curso de Direito - tem um lugar especial reservado pra isso no meu twitter e nas mensagens que mando pros meus amigos. Nada contra, só não acho que somos compatíveis. E por que sempre o Direito? Por que sempre os cursos considerados "seguros"? Ninguém me incentivou a fazer Letras quando recebi uma carta da escola elogiando minha redação aos 6 anos de idade ou quando aprendi a falar inglês sozinha - muito embora eu tenha me matriculado em Letras Inglês em algum ponto antes do Direito e absolutamente ninguém tenha ficado feliz com isso. Ninguém me incentivou a fazer Jornalismo quando meus textos mudaram de sentimentos pra argumentação. Ninguém me incentivou a fazer Artes quando minha maior obsessão no último ano do Ensino Médio era a aula de Artes no quinto horário da segunda-feira. Ninguém nem me parabenizou quando eu, de fato, fui aprovada em História da Arte.
Eu entendo o discurso do "se estabilizar no que é mais confiável pra depois seguir no duvidável", mas não quer dizer que doa menos. No entanto, me satisfaz demais ver gente próxima tendo experiências que até então nunca tive. Tenho amigas que fazem moda, tenho amigos que fazem música, tenho amigos que fazem os cursos considerados "comuns" mas que são bem felizes estudando aquilo, obrigada. Não é sobre o curso em si, é sobre o sentimento em cima dele. Não é segredo pra ninguém que me vejo mais feliz estudando outra coisa, e que qualquer tipo de Arte é o que realmente me completa, mas não é minha realidade. E, pra quotar uma das amigas da moda, exausta de me ouvir reclamar pelos cantos que já não aguentava mais acordar todo dia pra ir na faculdade ver as mesmas bostas que não entendo ou suporto: aceita que dói menos.
Bom, o Lin-Manuel, graças ao nosso bom Deus, não seguiu no Direito. Nas palavras dele, "Sempre soube que não seria advogado. Eu sabia que queria fazer filmes e queria escrever shows". Nem por um segundo eu tô me comparando com o cara que escreveu o musical mais famoso da Broadway no momento e que já tem Emmy, Tony, Grammy, Pulitzer e uma indicação ao Oscar (you're doing amazing, Lin do passado que queria seguir nas artes e não no Direito). Mas a gente se encontra muito nessa vontade de seguir em qualquer outra coisa que explore criatividade de um jeito único. E se até ele, que hoje é comparando a Shakespeare, se viu pressionado em algum momento em seguir no caminho metódico que claramente sentia que não era pra si, imagina eu. Não acho que seguindo no caminho artístico eu teria meu próprio musical na Broadway antes dos 30 ou estaria sendo convidada pra compor a trilha sonora de filmes da Disney. Não é sobre isso. É pura e simples questão de realização. E a falta de um apoio ou suporte inicial pra qualquer coisa que não seja o convencional, seja aqui ou em NYC, é bruta e real.
Cheguei a comentar com meu pai sobre ter lido sobre essa história do seu Luis, Lin-Manuel, a criatividade e o curso de Direito. "Lembrei do que um certo alguém me disse uma vez. A diferença é que eu segui o conselho e ele não", eu falei. Meu pai riu e respondeu: "só não entendi onde que entra a criatividade e o talento dentro do Direito..."
Nem eu, pai. Nem eu. "And, I asked you, 'What should I do? Should I keep teaching or should I just kind of sub and do gigs to pay the rent and really throw myself into writing full time?' And, you wrote me a very thoughtful letter, in which you said, 'I really want to tell you to keep the job — that's the smart 'parent thing' to do — but when I was 17, I was a manager at the Sears in Puerto Rico, and I basically threw it all away to go to New York, [and] I didn't speak a lot of English. It made no sense, but it was what I needed to do.' So you were like, 'It makes no sense to leave your job to be a writer, but I have to tell you to do it. You have to pursue that if you want.' That was very opposite advice from, 'Be a lawyer,' and I'm glad I took it."
(Um trecho de uma matéria incrível com Lin-Manuel e Luis Miranda. Demorou, mas seu Luis abriu os olhos para outro caminho. E que bom que ele abriu.)
Ironicamente, o Lin-Manuel ficou conhecido por passar anos da vida dele pesquisando/escrevendo e, em seguida, interpretando um cara obcecado pelas leis. "Pratiquei o Direito, praticamente o aperfeiçoei" era uma das frases que ele cantava toda semana quando em palco para interpretar Alexander Hamilton na Broadway. As coisas são bem ao contrário às vezes. Já me falaram que o bonito de ter uma paixão como a que eu tenho pelas Artes, como a que todo mundo tem por alguma coisa que parece distante demais, é exatamente isso: a distância. Funciona e é tão intenso porque não tá presente diariamente em forma de obrigação. Em tese, seria mais fácil de apreciar da forma mais pura. Não sei muito bem o que pensar sobre isso, uma vez que ter paixões significa querer ter por perto toda hora. Mas que é reconfortante, isso é.
Ah, e o Lin casou com uma advogada. É aquela história, cuidado com o que você fala (ou deseja). Mas cá entre nós, se eu crescer pra ter uma visão mais clara da minha carreira um dia e conseguir ser metade do que Vanessa é, tanto como profissional como quanto pessoa, tô feliz demais. Talvez eu case com um artista. Do futuro, quem é que sabe?
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